sexta-feira, 30 de outubro de 2020

Reforma Protestante

                                                                                                                      

Estão tentando nos fazer pensar 
Que por nossas boas obras chegaremos ao céu 
Estão enlouquecendo ao ponto de falar 
Que Deus precisa de rasas indulgências 
Estão tentando nos convencer 
Que por nossa força braçal abriremos os portões 
Estão perdidos e cegos ao dizer 
Que tudo que Deus tem pra você é condição 

(Tese 95 – João Manô)



Quando falamos sobre reforma é importante termos em mente o propósito de Deus para toda sua criação, expresso desde Gênesis, ter todas as coisas convergidas para o louvor de sua glória. Desde a queda do homem, Deus tem trabalhado para restaurar todas as coisas, por meio de seu povo[1].

Em toda a narrativa bíblica percebemos o desejo de Deus por relacionamento, e vemos uma sequencia de caminhar tortuoso, quedas, reformas e reconciliações. A narrativa do Antigo Testamento, quase que 70% dela, mostra o afastamento do povo de Deus do propósito para o qual foram estabelecidos e os muitos homens e mulheres, com suas vozes proféticas, que o Senhor levantou para trazer reforma no meio de Seu povo.

E nessas idas e vindas do povo de Israel percebemos que o coração de Deus não mudou, Ele permanece esperando a resposta de seu povo por relacionamento e profundidade. Também não é diferente quando olhamos para a história da Igreja, ao observarmos seus avanços e regressos dentro do propósito de Deus. Vemos o florescer em Atos, a unidade, a comunhão e o crescimento orgânico alinhado com a perseguição, o martírio e amor ao Senhor e aos povos não alcançados.

Atualmente, estamos sendo inundados por uma onda de mensagens positivas e uma estranha falta de lágrimas nos olhos; os cultos de sábado a noite (juventude) em sua maioria parecem mais entretenimento e um culto a si; estamos na era “coaching” e muitos de nossos irmãos tem chegado ao estremo que Bonhoeffer[2] chamaria de “graça barata”. Estaríamos nós, precisando de uma reforma?

 

Relembrando um pouco de 1500

Dia 31 de Outubro do corrente ano comemoramos 317 anos de Reforma Protestante. Essa data é contada a partir da atitude do monge agostiniano, Martinho Lutero, que fixou na porta da igreja do Castelo de Wittenberg, no ano de 1517, suas famosas 95 teses que versavam contra a venda de indulgências, estabelecida pelo Papa Leão X. É de saber comum, entre os estudantes da história da Igreja, que essa primeira reforma teve precursores como John Wycliffe[3], Huss[4], Savanarola e entre outros nomes conhecidos, que contribuíram para o retorno às escrituras e os fundamentos de uma salvação única e exclusivamente pela fé em Cristo Jesus.

É válido recordar também, outros nomes importantes que contribuíram na mesma geração de Lutero, como Cataria Zell[5], Elisabeth de Calenberg, Wursula Weyda, Calvino[6], Zwinglio[7], Marguerite de Navarre[8] e muitos outros nomes que ajudaram a trazer a bíblia de volta para a mão do povo – tendo em vista que esse foi o principal foco da reforma de 1500.

Não estou fechando os olhos para os pés de barro[9], que cada um desses homens e mulheres tiveram, mas é válido considerarmos que foram relevantes nesse período e, mesmo não sendo os definidores das famosas “cinco solas” da reforma protestante, foram seus idealizadores.

As cinco solas é a sintetização do credo cristão, pós reforma protestante, elas foram estabelecidas e difundidas tempos depois de 1500 por teólogos reformados. A Igreja Católica crê em todas elas, com exceção da palavra “sola” que no português significa “somente”. 1) Sola Gratia – Somente a graça, favor imerecido, é o meio pelo qual podemos ser salvos. É presente de Deus e em nenhum momento, mérito humano; 2) Sola Escriptura – Somente a escritura é a fonte de inspiração dada por Deus, ela é a autoridade máxima para o cristão; 3) Solus Christus – Somente Cristo é o único mediador entre Deus e a humanidade; 4) Soli Deo Glória – Toda a glória é devida e tributada ao Senhor, pois somente Ele pode salvar e alcançar o coração perdido; 5) Sola Fide – É o entendimento que a justificação é somente pela fé em Cristo Jesus que pode trazer salvação ao homem.

A bíblia foi devolvida para mão do povo, agora todos poderiam ler e se relacionar com Deus. As definições da salvação foram ajustadas, agora a Igreja começou a florescer, todavia mais reformas foram necessárias para que os frutos aparecessem. Mais reformas eram necessárias, a Igreja ainda carecia de ferramentas que lhes foram tiradas.

 

John Wesley, os Morávios e a Rua Azuza

O século XVII foi um momento conflituoso entre irmãos. Luteranos perseguindo anabatistas, católicos perseguindo protestantes, e no campo teológico a bíblia transformou-se em arsenal para uma guerra doutrinária. O evangelho não era mais o poder de Deus para a salvação. Foi dentro deste contexto que surgiu o movimento petista entre muitos irmãos, os mais conhecidos são Wesleyano e Moraviano.

Os morávios foram refugiados recebidos pelo conde Nicolau Von Zinzendorf em sua fazenda na Bavária, durante uma época de perseguição. Eram irmãos de diferentes movimentos protestantes, com seus conflitos e diferenças internas, que precisaram viver em comunidade. Foi através de uma vida de devoção ao Senhor e constante oração coletiva que o Espírito de Deus soprou algo novo dentro dessa comunidade e abençoou povos de diferentes culturas. Esses irmãos sustentaram uma rotina de oração coletiva por 100 anos, e foram os primeiros a enviarem missionários para locais distantes da Europa. Muitos de seus missionários se venderam como escravos para ganhar escravos para Jesus. Foi através deles que conhecemos a seguinte frase: Que o Cordeiro receba a recompensa do seu sofrimento, através de mim.

Dentro ainda, desse contexto de conflitos entre movimentos institucionais, surge, no século XVIII, John Wesley e o metodismo. Na região da Inglaterra e a Igreja Anglicana (oficial do Estado), a família Wesley foi instrumento de Deus para trazer de volta o fogo interior de busca e devoção pelo Espírito Santo, por meio das disciplinas espirituais. Pessoas que não eram recebidas nos prédios das igrejas, agora ouviam o evangelho por meio da pregação itinerante. Essa foi uma das principais marcas do ministério de Jhon Wesley. É válido ressaltar que o ministério e conversão de John Wesley teve forte influência do movimento moraviano.

Percebemos aqui Deus trabalhando e restaurando sua Igreja, devolvendo a ela as ferramentas necessárias para o fim dos tempos. Em 1500 vimos a devolução da bíblia e o ministério de Mestre sendo restaurado. Entre 1600 a 1700 a oração e o ministério do Evangelista, voltam ao seu lugar. E o mover de Deus continua se espalhando, da Europa para a América – consequência, também, da contra Reforma. As missões modernas se intensificam, e surgem os avivalistas no início do século XIX, como também o Movimento de Restauração com os irmãos Campbell, Stone e Walter Scott. A ênfase desse movimento era unidade do corpo de Cristo e o retorno aos princípios da Igreja primitiva, seu lema era: Não somos os únicos cristãos, mas simplesmente cristãos. / Nos essenciais unidade, nas opiniões liberdade, mas em todas as coisas o amor.

Em 1905, surgem nos Estados Unidos reuniões pentecostais e um dos atingidos por esse ministério é Willian Seymour, um pregador negro, que impactou sua geração através da Missão da Rua Azuza. A mensagem de Seymour era que o batismo do Espírito Santo não era apenas para santificação, mas para evidencia – o falar em outras línguas, o profetizar e os demais dons citados em Atos e Coríntios. O movimento pentecostal se espalhou por diversas regiões da América Latina, África, Ásia e Oceania.

É válido ressaltar que a ênfase não era simplesmente os dons, mas a santidade e a oração. No livro “A Igreja do século XX”, lançado pela editora Impacto, mostra claramente que todo movimento de oração e restauração desemboca em missões e amor pelos povos não alcançados.

 

Em nossos dias

Antes desse breve resumo da história da Igreja, lancei a pergunta: será que estamos precisando de uma reforma? E minha resposta é a seguinte, olhemos para o que Deus fez na geração dos nossos antepassados. Cavemos os poços que foram cavados por aqueles que vieram antes de nós[10]. Temos bons exemplos em nossa geração de irmãos que tem feito isso, e mesmo em meio à superficialidade e à graça barata, temos visto o movimento de oração sendo restaurando, o ministério profético sendo reestabelecido e entendido de forma mais clara, à luz das escrituras.

Quando estudamos a história da Igreja vemos o Espírito de Deus restaurando e trazendo de volta o que foi perdido. Falamos muito sobre retornar à Igreja de Atos, e esse é de fato o desejo de Deus, mas precisamos lembrar que a leveza, o agir do Espírito e as conversões são acompanhadas de martírio e perseguição. A Igreja do fim dos tempos é uma Igreja que estará preparada para o martírio e a perseguição. Não foi atoa que Jesus afirmou, citando os profetas:

 

Não está escrito: A minha casa será chamada, por todas as nações, casa de oração?

(Marcos 11:17)

Também os levarei ao meu santo monte, e os alegrarei na minha casa de oração; os seus holocaustos e os seus sacrifícios serão aceitos no meu altar; porque a minha casa será chamada casa de oração para todos os povos.

(Isaías 56:7)

 

Deus está ensinando sua noiva a orar. A oração nos prepara para o martírio, para os povos que ainda não o conhecem[11]. A oração nos ensina a clamar: Maranata! O livro de Apocalipse é um manual de oração para o fim dos tempos. A grande tribulação será um tempo em que a Igreja irá orar como nunca orou antes.



[1] Israel e a Igreja.

[2] Dietrich Bonhoeffer, teólogo e pastor luterano, membro da resistência anti-nazista na Alemanha hitleriana.

[3] O primeiro a traduzir a bíblia para o Inglês. Foi chamado de a estrela D’alva da reforma.

[4] Johm Huss, monge e professor universitário alemão. Morreu dizendo: “Hoje vocês estão matando o ganso, mas daqui 100 anos virá o cisne, o qual vocês não conseguirão matar!”. Seu nome: “Huss” significa ganso; sua fala fazia referencia a Martinho Lutero, o cisne.

[5] As mulheres na Reforma Protestante: https://www.luteranos.com.br/textos/500-anos-de-reforma-protestante-e-as-mulheres#:~:text=Sabemos%20de%20mulheres%20da%20nobreza%20que%20se%20empenharam,entre%201491%20e%201495%20e%20faleceu%20ap%C3%B3s%201543%29.

[6] Principal nome da reforma protestante na região de Genebra. Seu fundamento teológico e prática pública tiveram grande repercussão em muitas gerações, e até os dias de hoje inspira a prática cristã na esfera pública.

[7] Principal líder da reforma na Suíça.

[8] Vozes femininas na Reforma – Rute Salvino.

[9] Expressão usada como referência aos defeitos da pessoa.

[10] E tornou Isaque e cavou os poços de água que cavaram nos dias de Abraão seu pai, e que os filisteus entulharam depois da morte de Abraão, e chamou-os pelos nomes que os chamara seu pai. (Gênesis 26:18)

[11] Segundo os missiólogos a última fronteira hoje, dos não alcançados, é o mundo mulçumano.