Que o Cordeiro receba a recompensa do
seu sofrimento, através de mim.
(Hino
Moraviano)
Falamos e ouvimos tão pouco sobre martírio, perseguição por causa do nome de Jesus e sofrimento por causa do testemunho nos sermões de nossas igrejas, que acabamos nos esquecendo do quão real e necessário é essa parte do evangelho pregado por Jesus. Talvez, nosso contato com essa temática se dê através de movimentos como a Missão “Portas Abertas”, que dá suporte à parte da Igreja – em sua maioria oriental – que cresce em meio ao martírio e perseguição; à Missão “MAIS” que também trabalha nesse contexto, mas principalmente com irmãos (e não irmãos) refugiados.
Todavia, o martírio e o sofrimento é parte integral do evangelho. Quando Jesus fala: “Segue-me!” Vem acompanhado o: “Felizes são vocês quando, por minha causa, sofrerem zombaria e perseguição...”, “Tome a sua cruz...”, “No mundo vocês terão aflição...”, “...se o grão de trigo não for plantado na terra e não morrer, ficará só.”, “...São capazes de beber do cálice que estou prestes a beber?”.
Como afirmou Paulo em I Coríntios 11:26, todas as vezes que bebemos da ceia do Senhor, estamos anunciando a morte do nosso Senhor até que Ele venha! Ou seja, estamos nos comprometendo a sermos participantes dos sofrimentos de Cristo que ainda restam. Jesus nos convida, como Igreja, a entrar em parceria com Ele, tanto em Sua Glória como em Seus sofrimentos.
Somos conduzidos em Triunfo
Mas graças a Deus, que, em Cristo, sempre nos conduz triunfantemente. Agora, por nosso intermédio, ele espalha o conhecimento de Cristo por toda parte, como um doce perfume. Somos o aroma de Cristo que se eleva até Deus. Mas esse aroma é percebido de forma diferente por aqueles que estão sendo salvos e por aqueles que estão perecendo. Para os que estão perecendo, somos cheiro terrível de morte e condenação. Mas, para os que estão sendo salvos, somos perfume que dá vida. E quem está à altura de uma tarefa como essa?
(2 Coríntios 2:14-16)
Na época do Império Romano, o general e seus exércitos desfilavam com o exército vencido na rua principal de Roma, para mostrar o poder e glória de Roma e do Imperador, diante de todos. O apóstolo Paulo usa essa mesma ilustração para se referir a nós em relação a Cristo. A expressão “ser conduzido triunfantemente”, significa que fomos conquistados por Cristo e estamos debaixo de Seu senhorio e governo. Em Gálatas, o apóstolo, mostra essa relação de submissão e entrega ao afirmar: “...agora vivo não mais eu. Cristo vive em mim..”, ou seja a vontade que prevalece é sempre a de Cristo, daquele que nos comissionou, daquele que nos venceu e triunfou sobre nós.
Quando Paulo afirma que somos o aroma de Cristo, em outras traduções “o bom perfume de Cristo”, ele está fazendo menção à perseguição e ao martírio da Igreja. O preço para que o evangelho chegue a cada parte do mundo – o perfume seja espalhado – é o sangue dos santos sendo derramado. O conhecimento de Cristo é espalhado quando a Igreja entra em parceria no martírio.
Como afirma Dalton Thomas: Embora nem todo crente seja chamado par dar testemunho como mártir, cada crente é chamado para adotar uma mentalidade de mártir, cada igreja, um mandato para o martírio e cada ministro, uma teologia de martírio. Podemos não derramar nosso sangue para que o evangelho se espalhe e seja frutífero na localidade geográfica em que estamos, mas somos chamados a compartilhar dessa mentalidade de amor pelo Senhor Jesus, entregando nossas vidas a Ele sem reservas, como fez Maria de Betânia[1].
Sabemos que ninguém inicia sua jornada com o Senhor já fervoroso e maduro em amor. Como a sulamita de Salomão, estamos nesse processo de desenvolver nosso amor por Jesus. O apóstolo João nos ensina sobre esse processo na primeira carta dele às igrejas da Ásia: É nisso que consiste o amor: não em que tenhamos amado a Deus, mas em que ele NOS AMOU e enviou seu Filho como sacrifício para o perdão dos nossos pecados. O fundamento do amor é ser amado. Quando aceitamos o amor de Deus, respondemos em amor e entramos em parceria com Ele. Essa é a história de Cantares, a jornada de maturidade da noiva. Deus está nos fundamentando em amor para que possamos responder em amor.
Esse é o fundamento da mentalidade de martírio, o amor por Jesus. Quando amamos Jesus, amamos também sua noiva e aqueles que ainda não foram alcançados por esse amor. E nessa perspectiva, estamos dispostos a entregar nossas vidas voluntariamente para a tarefa seja cumprida, e Jesus seja conhecido e mais amado. Somos, assim, o bom perfume de Cristo, a oferta de libação sendo derramada no altar do Senhor[2].
O martírio e as missões pioneiras
Hoje no mundo temos mais de 2.000 povos que não têm nenhuma porção das escrituras, e aproximadamente 6.000 grupos étnicos que tem pouco ou nenhum engajamento com as escrituras, muitos deles se quer ouviram sobre Jesus. Muitos missiólogos acreditam que é possível alcançá-los, e concluir a tarefa, ainda em nossa geração, se muito na geração de nossos filhos.
As missões pioneiras e o amor pela volta de Jesus são lados de uma mesma moeda. Se amamos Jesus e ansiamos por seu retorno, estaremos comprometidos com os povos não alcançados e com o uso das escrituras. É válido ressaltar, ainda, que:
Tanto as missões pioneiras como o evangelismo local são chamados legítimos e indispensáveis para o avanço dos propósitos de Deus nas nações. Por isso, é importante não priorizarmos um em detrimento do outro. [...] Devemos ter o cuidado de nunca considerar um mais importante do que o outro. No entanto, dito isso, é evidente que a Igreja precisa realizar missões pioneiras de forma consideravelmente mais ampla do que vem sendo realizado atualmente. Em nossos dias, as missões pioneiras simplesmente não são uma prioridade para a maioria das igrejas ocidentais, e isso é trágico. Investimos menos de 1% dos nossos recursos em ministérios para povos não alcançados.
O envio de missionários hoje tem sido, em sua maioria, para locais que já tem igreja e uma expressividade significativa do evangelho. Não estou dizendo que não é importante as igrejas investirem em obreiros que apoiem trabalhos já existentes em campos transculturais, mas é necessário um investimento maior em obras pioneiras. A tarefa será cumprida alcançando os não alcançados!
É justamente aqui que o espírito do martírio deve alcançar o coração da noiva de Jesus. A tarefa envolve um coração apaixonado por missões pioneiras e o retorno do Rei.
O martírio e o fim dos tempos
Sabemos que a história da Igreja é marcada pela perseguição, martírio e sofrimento. Como afirmaram os historiadores: “O sangue dos mártires foi a semente da Igreja”; porque temos a doce ilusão que Deus agirá de modo diferente nos dias que precederão sua vinda? A resposta é simples e verdadeira: medo, advindo de um espírito de autopreservação que tomou a Igreja do nosso tempo (ocidentalmente falando).
Na edição de 2002 da Tabela Anual de Estatística sobre Missão Global, David Barret, houve aproximadamente 164 mil cristãos [morreram] como mártires [naquele ano] e que o número médio de mártires cristãos cresceria a cada ano até chegar a 210 mil no ano de 2025. De acordo com a pesquisa de Barrett, houve aproximadamente 45 milhões de mártires no século 20. Isso significa que o século passado viu mais mártires do que os outros séculos anteriores juntos[3].
Segundo Dalton Thomas o martírio é um ato contínuo na história da expansão do evangelho, e devemos entendê-lo como uma realidade profética para a qual devemos estar preparados. O chamado ao martírio é o padrão para TODO crente, independente da época ou local em que vive. É o chamado para conhecer Cristo, segui-lo e testemunhar a respeito Dele às nações. Hudson Taylor[4] afirma:
É no caminho da obediência e do serviço realizado de forma sacrificial que Deus se revela mais intimamente a seus filhos. Quanto mais custoso, maior é a alegria. O momento mais tenebroso se torna o mais reluzente, e a maior perda, o maior ganho. Enquanto a tristeza dura pouco tempo e longo passará, a alegria é muito mais elevada...é eterna.
Esse foi o caminho trilhado por Jesus (Filipenses 2), e é o caminho que Ele tem convidado Sua noiva a trilhar. Quando a igreja compartilha dessa mentalidade, ela não está abraçando apenas sua morte, mas está aceitando como parte de sua vida aqueles que vieram antes de nós e deram suas vidas pela causa de Cristo. E como afirma Hudson Taylor, a alegria em participar das aflições de Cristo é real, mais elevada, posto que, terá repercussão na eternidade.
Que como noiva, esposa do Messias, a Igreja possa alcançar a maturidade e voltar a cantar o hino moraviano, encarnando o Cristo que tanto prega: “Que o Cordeiro receba, a recompensa do seu sofrimento, através de mim!”. Que a mentalidade do martírio venha tomar nossos corações.
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[1] Fiz uma citação referente a Maria na postagem: https://mentes-renovadasmay.blogspot.com/2020/09/maranatha-o-caminho-mais-curto.html
[2] Essa expressão “aroma” e “cheiro suave” eram usados para se referir às ofertas queimadas no altar do Senhor, tanto em Gênesis (Noé) quanto em Levíticos.
[3] Extraído do livro: Até a morte – Martírio, missões e a maturidade da Igreja (Dalton Thomas)
[4] Pai das Missões para o interior da China.