Georg Wilhelm Friedrich Hegel, mais
conhecido no círculo acadêmico (e até mesmo nos estudos filosóficos do ensino
médio) por seu último nome, Hegel, foi um filósofo germano que desenvolveu sua obra
no início do século XIX. Sua herança
repercutiu sobremaneira nas correntes de pensamento do século XX e afetam as
discussões, não somente do âmbito filosófico, mas teológico e político até os
dias de hoje. Talvez você tenha tido algumas aulas de filosofia básica durante
o ensino médio, e esse nome não te parece estranho. Ou, se você tiver optado
pela área de humanas, a filosofia fez parte de sua graduação e com certeza
Hegel apareceu como leitura obrigatória na ementa dessa disciplina.
Hegel é considerado pai do materialismo
– aquilo que é palpável, real, material. O materialismo é uma forma de produção
de conhecimento, um meio (caminho) de se chegar à verdade, aquilo que seria
real para o pesquisador (ou quem estuda). Esse estilo de produção de conhecimento
foi um marco para o pensamento humano moderno, posto que, o objetivo de Hegel
era romper com todo tipo de metafísica (aquilo que não é palpável), pressuposto
presente tanto na religião como na produção de conhecimento e filosofia até
então (Kant[1],
Decartes[2]...).
Todavia, filósofos e pensadores
posteriores a Hegel o criticaram nesse ponto, tendo em vista que o escapismo da
metafísica é sempre um exercício ingênuo. O rompimento com a metafísica para a
produção do conhecimento é tão utópico como a total neutralidade na produção
desse mesmo conhecimento, e o famoso princípio (discutido até os dias de hoje
nas academias de Direito) do juiz neutro. Desvencilhar-se de suas opiniões,
credos e demais características (não palpáveis) que compõem o indivíduo para a
produção de algo, nunca existiu de fato, criador e criação sempre estarão
interligados[3].
Pensamento hegeliano e
as bases do marxismo
Os principais pontos do pensamento
hegeliano foram os fundamentos do pensamento marxista. Não é atoa que após
Hegel vem Marx[4]
no programa de estudos de filosofia básica do Ensino médio ou os primeiros anos
do seu curso da área de humanas. A autonomia subjetiva – indivíduo como
plenamente capaz de chegar sozinho à verdade. Hegel entendia que existia uma
verdade absoluta que poderia ser encontrada pelo indivíduo, com uma espécie de
idealismo absoluto: um final da história. Esse foi o fundamento para Marx
enxergar a sociedade perfeita, por meio de um sistema de governo completamente
comunitário e igual.
Outro ponto do pensamento hegeliano foi
o materialismo e a dialética. Hegel via a história pela ótica dialética (tese –
antítese – síntese), aquilo que está posto e não é justo (tese) deve ser
confrontado (antítese) para que um final melhor seja alcançado (síntese). Esse
processo era visto de maneira cíclica, até ter um fim ideal. Esses foram os
óculos usados por Marx para explicar a história da economia e sociedade. Este
entendia que o confronto (guerra / revolução) sempre seria digno porque teria
como fim uma síntese mais justa, uma sociedade mais igualitária, onde os
recursos seriam melhor geridos e distribuídos (comunismo).
Todavia, o que Hegel e Marx ignoraram
foi a total corruptibilidade do coração do homem, sua sede por poder e
controle, sua capacidade tenebrosa de massacrar outro semelhante para ter seus
interesses realizados. O resultado disso é possível ver até os dias de hoje,
governos totalitários que em “nome do bem comum” estiveram dispostos a
sacrificar direitos individuais de sua população, restringir todo tipo de
comunicação com outros países, torturar, e até mesmo matar a própria população.
O pensamento hegeliano
e as bases do nazismo
Os
mesmos fundamentos hegelianos foram usados por teólogos e pensadores que (se
diziam) cristãos afim de, desenvolverem, por meio de uma descrição racional,
uma nova teologia paulina. Semler[5]
trouxe um esquema dialético do desenvolvimento do Novo Testamento, no qual ele
explicava da seguinte forma: Paulo rompe com a soteriologia[6]
retributiva judaica[7]
(tese); havia uma comunidade judaizante e seus líderes seriam Pedro e Tiago
(antítese); o confronto entre essas duas visões resultou na comunidade joanina
helenística-cristã (síntese).
Esses fundamentos teológicos
desenvolvidos por Semler entendia o cristianismo como sendo superior ao
judaísmo. E no desenrolar do século XIX novos teólogos surgem seguindo esse
mesmo raciocínio de usar a razão para chegar à verdade a respeito de Deus, e
muitos trabalhos acadêmicos são desenvolvidos nesse período. Até que em 1904,
William Wrede defende que Paulo é o fundador do verdadeiro cristianismo.
Wilheim Bausset descarta o Antigo Testamento como obra teológica. Assim, o solo
estava pronto para o desenvolvimento de um forte antissemitismo e pujante
nacionalismo alemão.
De 1914 a 1916 a Primeira Guerra Mundial
acontece, Alemanha de um lado e Inglaterra de outro. Os fundamentos ideológicos
nacionalistas continuam sendo produzidos em todas as áreas do conhecimento. Nesse
período tudo de origem judaica era visto como inferior ou “burro”. Teólogos[8]
tornam-se entusiastas dos ideais nazistas e contribuem para a criação do
Partido Nacional Socialista (partido da base de Hitler).
E o resultado desse desenfreado
pensamento você já sabe onde deu, não é mesmo? De 1939 a 1945 explode a Segunda
Guerra Mundial, acumulando ressentimentos da primeira e os ideais de purismo
racial consolidado. Os historiadores estimam que mais de seis milhões de judeus
foram mortos durante o período do governo nazista alemão, muitos desses em
campos de trabalho forçado (campos de concentração). Negros, homossexuais,
ciganos e todos que se colocavam contra o pensamento de seu líder alemão
(Hitler) foram exterminados.
Desde 1980 as vítimas judias que foram
mortas durante o Holocausto são lembradas no dia 27 de Nissan[9],
uma semana após a Páscoa do calendário judaico. Em nosso calendário (2021) esse
dia de memória aconteceu em 07 de Abril, anteontem. Dias como estes precisam
ser lembrados, museus que mostram fragmentos desse massacre precisam ser visitados,
para que não venhamos nos esquecer do que o ser humano é capaz.
Conclusão
Será que Hegel, Marx ou mesmo teólogos
que estavam querendo um conhecimento racional de Deus, teriam previsto que seus
pressupostos resultaria no século XX que tivemos? Será que eles consideraram a
depravação total do homem e suas inclinações? Creio que não. Todavia, o que
podemos entender de toda essa sequência de fatos nefastos é que um cristianismo
sem amor é um cristianismo sem Cristo. Um cristianismo que desumaniza outros
seres humanos não é cristianismo. Uma teologia sem amor é uma teologia sem
Deus. A racionalidade por si só não pode alcançar o verdadeiro conhecimento do
Eterno.
Um cristianismo nacionalista que rejeita
o próximo por causa da cor de sua pele, nacionalidade (xenofobia), origem
social e afim é um cristianismo sem Cristo. Um cristianismo que considera a
violência, métodos de tortura, governos totalitários e utilizam teologias para
fundamenta-lo, precisa rever seus conceitos.
[1] Immanuel
Kant, filósofo prussiano (alemão) que desenvolveu sua carreira e teorias
durante metade do século XVIII até o início do século XIX. Um de suas
principais obras foi: A metafísica dos costumes.
[2]
René Decartes, filósofo e matemático francês, foi considerado o fundador da
filosofia moderna e pai da matemática moderna. Uma de suas frases mais
conhecidas, que resume um pouco de seu pensamento é: “Penso, logo existo”.
[3]
Uso aqui essa comparação não apenas de Deus e sua criação, mas do homem e suas
criações: música, poesia, ciência, linguagem e demais artefatos culturais. Além
da impossibilidade de neutralidade, tudo está misturado à metafísica.
[4]
Karl Marx, filósofo alemão do final do século XIX. Idealizador do socialismo
(comunismo).
[5] Johann
Salomo Semler, teólogo alemão contemporâneo a Hegel. Em suas obras foram
encontradas as primeiras menções da teologia liberal.
[6]
Estudo da doutrina da salvação.
[7] O
entendimento judaico a respeito da salvação era fundamentado na lei. A
obediência à lei os levaria a salvação, por isso uma salvação retributiva,
recebida como recompensa pelas boas ações. É uma crença comum na maioria das
religiões do mundo.
[8]
Gerhard Kittel foi um exemplo.
[9]
Leia mais a respeito em: https://moriacenter.com/holocausto-em-israel/?lang=pt-br