Oh, todo-poderoso Deus, Rei dos reis,
Criador do homem e da mulher!
Tu que deste ao primeiro homem uma
companheira para que a raça dos mortais não perecesse;
Tu que desejaste que a alma proveniente
da humanidade venha a ser a mística
noiva do Teu próprio Filho,
e que fizeste com que Teu divino Filho
desse sua vida por ela;
Oh, derrama paz e bênçãos sobre estes
dois que agora se unem diante de Ti.
(Olympia Morata)
Quando o assunto é
Reforma Protestante normalmente os texto e boa parte dos livros de história da
Igreja, relatam a trajetória de Martinho Lutero, Calvino e Zuínglio. Fui muito
edificada com a vida e legado de cada um desses homens, como também dos demais
que são citados em diferentes períodos da história da Igreja. Todavia, me
recordo de um ano em que eu estava preparando um jogo para a Escola Bíblica de
Férias (EBF) da minha igreja. E lembro que quando estava organizando os cartões
com a história dos reformadores e avivalistas, não haviam mulheres para colocar
nos cartões. E uma adolescente me perguntou: “E onde estão as mulheres? Elas
não tiveram contribuição em tudo isso ou não contaram suas histórias?”
Essa pergunta nunca
saiu da minha memória, com o tempo ela cresceu, e meus estudos na área, tanto
das mulheres História da Igreja como as mulheres da bíblia se intensificou.
Dentro dessas áreas veio também o interesse em pesquisar a respeito do
ministério feminino e o papel da mulher, dentro e fora dos limites
eclesiológicos[1].
Hoje, aproveitando o mês de celebração da Reforma Protestante vou falar um
pouco sobre as mulheres desse período. Com a ajuda de Rute Salviano[2], é
claro. Essa professora, doutora, tem resgatado a história das mulheres em
diversos períodos da Igreja. Rute mostra que em diferentes eras, com ou sem
título e reconhecimento eclesiológico e público, elas participaram ativamente
dos avivamentos, reformas e da edificação da Igreja; com uma fé simples e testemunho
irrepreensível.
As
pregadoras, que usavam a pena e a voz
Uma das frentes mais
criticadas, até os dias de hoje, por muitos reformadores e membros do clero,
era atuação das mulheres na exposição pública das Escrituras. Um dos principais
nomes dessa ala de mulheres foi, Maria Dentière (1495-1561). Nascida na Bélgica
e introduzida à vida religiosa desde muito cedo. Ao ter contato com os escritos
reformados abandonou o convento agostiniano, casou-se com um ex-padre (Simon
Robert), tornou-se uma dedicada estudante das escritura, aprendeu hebraico e
auxiliava seu esposo na tradução de textos bíblicos.
Dentière levantou a
bandeira em defesa da mulher no ministério da pregação pública das Escrituras.
Para a reformadora, o sacerdócio universal de todos os crentes incluía as
mulheres. E se elas tivessem acesso à Bíblia, poderiam interpretar e pregar a
mensagem evangélica da salvação. Dentiére ensinava que a mulher poderia buscar
sua identidade por meio do conhecimento das Escrituras.
“Portanto, se Deus
deu graça a algumas boas mulheres, revelando a elas, por meio de suas Sagradas
Escrituras, algo santo e bom, devem elas hesitar em escrever, falar e declarar
umas às outras por causa dos difamadores da verdade? Ah, seria muito audacioso
tentar detê-las, e seria muito insensato escondermos o talento que Deus nos
deu, nós que temos a graça de perseverar até o fim.”
Os escritos de
Dentière, incentivava outras mulheres na escrita e nos estudos teológicos.
Infelizmente, a reformadora sofreu censura e perseguição não somente por parte
dos católicos de sua época, mas também na ala protestante. Seus trabalhos foram
suspensos e suas obras foram impedidas de serem publicadas, pelo conselho de
Genebra. Contudo, Dentière não se calou, ela perseverou até o fim.
Olympia Morata
(1526-1555), italiana, erudita cristã, fruto da Reforma. Foi a primeira mulher
a ser convidada para lecionar grego e latim em uma universidade, mas foi
impedida por questões de saúde. Desde cedo foi considerada uma garota prodígio,
era chamada de “a mulher mais culta da Europa”. Ela frequentava debates
acadêmicos, apresentava preleções e era apreciada por sua eloquência. Morata
teve uma conversão genuína e promoveu a Reforma por meio de seus escritos –
poemas e cartas que continham suas descobertas bíblicas. Faleceu muito jovem,
aos 29 anos, mas completamente transformada.
As
esposas, mães e teólogas.
Nessa categoria, nos
últimos anos temos visto muitos trabalhos e livros sobre Catarina Von Bora, a
esposa de Lutero. Mulher de qualidades singulares, o trabalho de suas mãos e a
devoção de seu coração nunca serão esquecidos. Todavia, gostaria de ressaltar
aqui, nesse pequeno texto, outros nomes, também importantes para a Reforma
Protestante.
Catarina Zell (1497-1562),
esposa de Mateus Zell. Mateus era padre quando começou a pregar a justificação
pela fé. Ele tinha o desejo de renovar a igreja. Como suas mensagens começaram
a causar agitação, o arcebispo de Roma o proibiu de subir ao púlpito novamente.
Todavia, ele continuou a evangelizar multidões, e a maioria de seus ouvintes
acolheram a fé protestante. Entre as multidões que ouviam Mateus Zell, estava
Catarina, foi assim que se apaixonaram e casaram. Eles se tornaram parceiros de
ministério, algo notável para a época. Juntos, pastoreavam, acolhiam
refugiados, ajudavam necessitados e visitavam os doentes, presos e moribundos.
Além da perseguição dos
irmãos católicos, Catarina foi, também, perseguida e criticada pelos líderes
luteranos. Na visão deles, ela queria tomar o lugar do marido. Pois além de mãe
e esposa, ela tinha aptidão para a escrita, teologia e pregação pública.
Catarina era ousada e dava sua opinião sobre o que Igreja deveria ou não fazer
em determinadas situações (posição reservada aos homens). Isso causou alvoroço
em sua época.
Idelette de Bure
(1507-1549), a esposa de João Calvino. Pouco citada na história, mas foi de
grande importância no ministério do reformador. Ela era viúva de um pastor anabatista.
Após o falecimento do esposo, Idelette casou-se com Calvino em 1540. O trabalho
de uma esposa de pastor não era fácil. Idelette tinha um encargo semelhante ao de
Catarina Von Bora: hospedar estrangeiros e alunos de seu marido, aconselhar e
orar pelos outros, e muitas outras atividades. Calvino a chamou de: “excelente
companheira e fiel assistente no ministério”.
As
rainhas que acolhiam reformadores
Margarida de Navarra
(1492-1549) foi uma delas, irmã do rei da França, Francisco I, e depois rainha
do reino de Navarra[3].
Era conhecida por sua caridade e bondade. Tinha um talento nato para a
erudição, estudou italiano, espanhol, latim, grego e hebraico. Foi influenciada
por Lutero e Calvino, e trocava correspondências com o último. Quando tornou-se
rainha de Navarra, abrigou muitos reformadores, como o próprio Calvino. Poetas,
filósofos e escritores foram alvos de sua benevolência. Ela fez de seu território
um refúgio para pobres, perseguidos e oprimidos da Europa. Entre seus muitos
escritos e poesias, o mais conhecidos deles foi uma ficção chamada:
“L’Heptaméron” (O Heptameron). Um conjunto de contos que, através do diálogo
dos personagens, mostrava preocupação com a ética, amor, amizade, casamento,
fidelidade e conflitos entre fé e religião. Essa obra foi uma sábia resposta
aos contos imorais de Boccaccio, que na época estavam na moda, na corte
francesa.
Renata, princesa da
França e duquesa de Ferrara (1510-1574). Renata foi de extrema importância no
apoio ao partido protestante, hospedeira de reformadores e auxiliadora
financeira. Joana IV, discípula e sucessora de Margarida no reino de Navarra,
foi considerada a mulher huguenote mais importante do século XVI.
As
mártires, fiéis até a morte
Uma das maiores
surpresas que tive ao ler o livro de Rute Salviano, foi conhecer com um pouco
mais de profundidade quem foram as mulheres guilhotinadas na Inglaterra por não
confessarem a fé católica. O contexto de luta pelo trono entre as herdeiras de
Henrique VIII traz essa confusão na cabeça dos que estudam um pouquinho da
história inglesa, e nos leva a pensar que o motivo da guilhotina estava
atrelado à apenas uma disputa de poder. Todavia, a história nos mostra que a
situação era mais complexa.
Quando lemos os relatos
históricos da Reforma Protestante na Inglaterra, lembramos apenas de Henrique
VIII e sua vontade profana de desfazer seus casamentos e ao mesmo tempo receber
a bênção da Igreja. Mas, foi através de Catarina Parr, sua sexta e última
esposa, que a nobreza da Inglaterra conheceu a verdadeira fé reformada. Erudita
e amante das escrituras, a rainha ficou conhecida por distribuir a bíblia na
língua do povo durante seu governo regente (na ausência do marido), em 1543.
A rainha Catarina ficou
conhecia pelo “Salão protestante”, uma programação diária de atividades
religiosas em seus aposentos. Todas as tardes, ela e suas aias, amigas e outras
pessoas se reuniam para ouvir a pregação de um de seus capelães. O Salão
protestante promoveu a publicação de obras sacras e a promoção de pessoas
cultas. Uma das discípulas de Parr, foi a mártire Anne Askew. Alguns religiosos
desse época chamaram esse movimento de “conspiração de mulheres teólogas”.
Catarina foi salva da guilhotina por intervenção de seu marido, todavia Askew
não teve o mesmo fim.
Anne Askew morreu como
herege, por não confessar a fé católica. Até nos últimos instantes antes de
morrer, não hesitou em exortar e pregar a verdade do evangelho.
No dia 16 de julho
de 1546, aos 25 anos, Anne foi queimada na fogueira. Como resultado de tanta
tortura, incapaz de andar, ela precisou ser carregada em uma cadeira até o
local de sua morte. Foi presa à estaca pela corrente que a amarrava e executada
junto com sete outras pessoas que negavam a transubstanciação.
Conclusão
Quando
nos deparamos com a história dessas mulheres temos a certeza de que a Reforma
Protestante e a Igreja de modo geral, não teria sido a mesma sem a presença e atuação
dessas servas de Deus. Cada uma em seu ambiente social, com seus dons e
talentos específicos, foram usadas poderosamente pelo Espírito Santo. Essas,
são aquelas que tiveram algum registro histórico, todavia, há outras que
conheceremos suas histórias na eternidade. As que ficaram no anonimato
receberão a recompensa do Eterno.
Ante
a tão grande nuvem de testemunhas, lembremo-nos do que o apóstolo Paulo
escreveu: “Portanto, meus amados irmãos.
Trabalhem sempre para o Senhor com entusiasmo, pois vocês sabem que nada do que
fazem para o Senhor é inútil.”.