Não sei qual seria a
melhor forma de começar esse texto, falando a respeito da igreja na qual cresci
e o movimento com o qual ela nasceu, ou de como ela não é conhecida e tão famosa
quanto as mais tradicionais ou neopentecostais. Talvez, eu possa começar por
minha experiência pessoal com essa comunidade de fé, e como minha opinião mudou
com o passar do tempo a respeito dela.
A Igreja de Cristo na
cidade de Goiás, cidade da Cora Coralina, nasceu com o Movimento de
Restauração. É claro que eu não sabia disso até meu segundo COMIC[1]
(Congresso de Mocidades das Igrejas de Cristo). Sempre amei a igreja local na
qual cresci. Infância, adolescência, juventude e fase adulta, ela fez e
continua fazendo parte de mim. É fato que durante minha juventude, época da faculdade,
primeiros contatos com diferentes ramos da teologia (e com outras
denominações) comecei a questionar sobre o posicionamento teológico da minha
igreja local.
Dizia eu: “Poxa,
precisamos de bases teológicas mais consistentes! Não sei dizer se sou
calvinista, arminiana ou luterana. O que eu sou? Qual a linha teológica da nossa igreja? O que somos?”. Nesse período copiávamos
muitos modelos, víamos igrejas crescendo em número e com uma aparente visão
unificada e uniformizada, e ficávamos maravilhados, pensando que esse seria o
caminho para uma igreja “perfeita”. Foi graças ao nosso sábio pastor, Raimundo
Aires, que não sucumbimos em meio a tantos modelos desproporcionais à nossa
realidade local.
Mais que uma
denominação, as Igrejas de Cristo nasceram de um movimento, um movimento de
discípulos de Jesus. Isso tem muita diferença quando falamos do “ser igreja”.
Movimentos estão mais ligados à algo vivo, à um corpo que se multiplica em
UNIDADE e DIVERSIDADE.
O
Movimento de Restauração[2]
O Movimento de
Restauração, também conhecido como os discípulos de Jesus, buscava uma vida em
comunidade o mais parecida possível com o livro de Atos, o cristianismo da
Igreja dos primeiros discípulos. Ele teve início durante o século XIX, com o
“Segundo Grande Avivamento”. Seus
principais nomes foram: Stones e Campbel (Barton W. Stone, Thomas Campbell,
Alexander Campbell, Walter Scott, David S. Burnet, Isaac Errett). No
Brasil o nome mais conhecido é: Sanders (David e Rute), todavia, tivemos outras
famílias de missionários, como os Shields, que contribuíram para a propagação
do movimento aqui – principalmente no centro-oeste brasileiro
(Goiânia/Brasília).
Não vou delongar na
história desses homens, mas gostaria de enfatizar aqui os objetivos e
principais declarações do movimento:
1)
Somos uma Igreja de Cristo
– Pertencemos a Jesus! Ante a isso, não temos poder para mudar seus ensinos ou
reescrever suas regras. Não podemos ainda, acrescentar novas condições para
aceitar pessoas como membros da Igreja de Jesus.
2)
Somos uma Igreja que busca a Unidade
– Ser um com todos aqueles que confessam a Jesus como Senhor e Salvador. Aqui
tem um fato interessante, muitos irmãos católicos foram recebidos na comunhão
do movimento. Na nossa cidade, muitos padres e freiras participavam conosco dos
cultos de domingo, por amizade e simpatia ao nosso pastor, Raimundo Aires. Lemas
do movimento: “Nos essenciais
unidade, nas opiniões liberdade, mas em todas as coisas o amor.” “Não somos os únicos cristãos, mas somos
unicamente cristãos.”
3)
Somos uma Igreja que busca a
Restauração – Ser o mais parecido possível com o
exemplo neotestamentário. Aqui tem uma marca interessante das Igrejas de
Cristo, além do batismo por imersão, a celebração da ceia acontece todos os
domingos.
4)
Somos uma igreja Apostólica –
Estudamos e obedecemos os ensinamentos deixados pelos apóstolos, contidos no
Novo Testamento. “Nenhum credo além de
Cristo, nenhum livro além da Bíblia.” “Onde a Bíblia fala, nos falamos; ondem a
Bíblia cala, nós calamos.”
5)
Somos uma igreja que Pensa
– Uma igreja que não ignora o intelecto e o usa para a glória de Deus. Contextualizando
a mensagem do evangelho, mostrando que fé, ciência, religião e trabalho devem
andar juntas para a glória de Deus.
6)
Somos uma Igreja que Sente
– Somos uma igreja viva, que o Espírito Santo tem liberdade para agir e mover
como no meio dos primeiros discípulos de Jesus. Não nos envergonhamos do
evangelho, nem de mostrar nossas emoções em público.
7)
Somos uma Igreja que Compartilha
– Temos o desejo de ganhar o máximo de pessoas para Jesus, portanto nos
importamos com o evangelismo, discipulado e engajamento desses novos membros na
Igreja de Jesus. Queremos também compartilhar nosso dinheiro e posses, pois
eles pertencem ao Senhor.
8)
Somos uma Igreja Livre –
Como as igrejas bíblicas, somos Independentes. Não temos papa, cardeais,
arcebispos, superintendentes denominacionais ou uma sede central para
determinar as políticas a seguir. Como congregação autônoma, elegemos nossos
líderes e decidimos para onde irá nosso dinheiro. No entanto, não nos recusamos
a cooperar com outras igrejas e nos associamos livremente com outras
congregações que compartilham as nossas heranças e convicções, para vivermos a
mesma fé, promovermos o reino de Deus, assumirmos o compromisso de fidelidade
aos princípios do “Movimento de Restauração” e cooperarmos umas com as outras
na execução dos programas missionários. Nossos Concílios e Convenções têm um
caráter extremamente de comunhão e não têm nenhum poder deliberativo sobre as
igrejas.
9)
Somos uma Igreja que Cresce
– Desejamos crescer espiritualmente, pois ainda não alcançamos a estatura
perfeita. Queremos crescer em comunhão como corpo, mas também queremos crescer
numericamente, pois isso está relacionado à Mateus 28:19-20. Não desejamos
perder o foco da Grande Comissão.
O
sacerdócio universal de todo crente
Outro
ponto positivo do Movimento de Restauração foi a liberdade de pregação da
palavra e ministração da ceia por membros não ordenados ao ministério. Entre
nós, brincamos que é o sistema de “baixo clero”. Cada crente é um ministro, e
pode compartilhar as boas novas com seu vizinho, na escola ou trabalho.
O
sacerdócio universal de todo crente também inclui as mulheres! Oh aleluia!
Parece estranho falar isso, não é mesmo? Mas, o ministério feminino em muitas
igrejas, até hoje, é questionado e tido como contrário às escrituras[3].
Contudo, as Igrejas de Cristo ordenam mulheres ao ministério pastoral,
missionário e evangelístico. Coisa linda!
Como na Igreja primitiva, e o movimento dos primeiros discípulos de
Jesus, as mulheres continuam fazendo parte ativa da propagação do evangelho e
edificação da igreja.
Conclusão
Não quero desprezar aqui a importância dos estudos teológicos, nem a relevância de conhecer e se posicionar em relação às tradições cristãs teológicas. Mas, isso não é o mais importante quando falamos de ser Igreja. Existem ministérios de estudos teológicos (Bibotalk e The Invisible College) hoje que partilham dos mesmos ideais do movimento de restauração, e isso só confirma o quão bíblica e poderosa é essa verdade, andar em unidade.
Unidade
é diferente de uniformidade, é possível caminhar em unidade pensando diferente.
É exatamente nisso que está a beleza do ser Igreja. É sendo diferente que
expressamos a diversidade de Deus, que é trino. Não precisamos deixar de ser
pentecostais, arminianos ou calvinistas, podemos aprender uns com os outros em
amor. Cooperando para que Jesus seja glorificado.
O
Movimento de Restauração nos lembrou de nossas raízes, a igreja apostólica de
Jesus. Seus ideais bíblicos trouxeram paz e comunhão em um tempo de guerra,
tempo em que luteranos matavam anabatistas, católicos matava protestantes e a
Igreja estava dividida. Nossa identidade como discípulos de Jesus está em
sermos um, como Ele é um com o Pai.
Para que todos sejam um, como tu, ó
Pai, o és em mim, e eu em ti; que também eles sejam um em nós, para que o mundo
creia que tu me enviaste.
(João 17:21)
“Não somos os únicos cristãos, mas somos
unicamente cristãos.”
“Nos essenciais unidade, nas opiniões
liberdade, mas em todas as coisas o amor.”
[1] Se
você tem interesse em conhecer mais entre no site, em fevereiro de 2023 terá
mais uma edição desse congresso na cidade de Morrinhos. https://www.instagram.com/umicbrasil/
[2]
Com base em: https://missaocristabr.org/parceiros/igrejas-de-cristo/
[3]
Não vou entrar nas discussões teológicas sobre esse tema aqui, mas em breve
teremos um texto sobre o assunto. Acompanhe as próximas postagens.