quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024

O que são os nossos Essenciais?

 “Nos essenciais unidade, nas opiniões liberdade, mas em todas as coisas o amor.”[1]
“Não somos os únicos cristãos, mas somos unicamente cristãos.”
                       

                         (Lemas do Movimento de Restauração)

 



Em toda a história da cristandade, seus erros e acertos, vemos a igreja do Senhor Jesus nascer, crescer e se desenvolver ao longo dos séculos. Por mais que tenhamos tido divisões e a formação de diferentes tradições cristãs, há essenciais que nos unem. Essenciais que foram conservados por meio de documentos oriundos dos concílios da Igreja, como também os escritos dos pais apostólicos, afim de combater as diversas heresias que surgiam no meio do Corpo de Cristo.

De forma geral, o ponto que une as diversas tradições cristãs é a pessoa de Jesus, sua soberania e divindade. Acreditamos que Jesus é Deus, Deus que também é ser humano. Cremos que ele veio e um dia voltará. Acreditamos na Trindade, que Deus é comunidade, três pessoas diversas, que não estão subordinadas uma a outra, mas que são um só Deus. Cremos também que o batismo e a ceia são elementos importantes em nossos cultos e confissões de fé. Outro ponto que nos une é o entendimento de que a Bíblia é a Palavra de Deus.

É a partir desses essenciais que teremos uma diversidade de tradições cristãs – católicos, luteranos, presbiterianos, batistas, congregacionais, independentes, pentecostais, e os evangélicos, termo que engloba várias tradições. Tradições essas que terão ênfases, produções teológicas e opiniões diversas.

 

O Credo Apostólico

O Credo Apostólico foi um dos resultados do primeiro Concílio em Niceia, convocado em 325 pelo imperador Constantino. A convocação foi feita por causa de uma doutrina que começou a ser disseminada por um dos diáconos de Alexandria, Ário[2]. Este, questionava a divindade de Jesus. Ário afirmava que Jesus não possuía a mesma substância do Pai e do Espírito, logo se Jesus não era Deus, não existia Trindade.

É válido ressaltar que o arianismo não nasceu do nada e foi combatido de imediato, os ensinos pré-nicenos (antes do Concílio) já continham pontas soltas sobre a doutrina da Trindade, estas foram terra fértil para a heresia de Ário. Não havia uma definição clara a respeito da Trindade, alguns presbíteros e líderes da Igreja chegavam a afirmar que havia subordinação entre as pessoas da Trindade, o Filho era subordinado ao Pai. Assim, no século III, aparece Ário questionando a divindade de Jesus e leva muitos a se desviarem da verdade do Evangelho.

O Credo Niceno, portanto, é um excelente exemplo a respeito do que são nossos essenciais. O primeiro Concílio oficial da Igreja (Após o Concílio de Jerusalém – Atos 15) que contou com a maior parte de seus líderes e bispos da época, decidiu e documentou a seguinte decisão a respeito do que cremos:

 

Creio em Deus Pai, todo-poderoso, Criador do céu e da terra;

E em Jesus Cristo, um só seu Filho (seu único Filho), Nosso Senhor,

Que foi concebido pelo poder do Espírito Santo, nasceu de Maria Virgem;

Padeceu sob o poder de Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado;

Desceu ao reino dos mortos, ressuscitou ao terceiro dia;

Subiu ao Céu, está sentado à direita de Deus Pai todo-poderoso,

De onde há de vir a julgar os vivos e os mortos.

Creio no Espírito Santo,

Na Santa Igreja Católica[3], na comunhão dos Santos,

Na remissão dos pecados,

Na ressurreição da carne,

Na vida eterna.

Amém.

 

Heresia e Ortodoxia

A Heresia sempre esteve presente na história da Igreja desde seu surgimento com os Apóstolos e primeiros crentes. Paulo e João[4] combateram em muitas de suas cartas os ensinos dos gnósticos e falsos mestres que se levantaram desde o primeiro século. Portanto, podemos definir Ortodoxia como o ensino e regras de fé que foram estabelecidos pelos Apóstolos e a tradição da Igreja; e Heterodoxia (heresia) como ensinos que contrariam esses ensinos.

Portanto, entendemos como essenciais em nossa confissão de fé, doutrinas que reconhece a divindade e pessoalidade de cada membro da Trindade, doutrinas que reconhecem a encarnação de Cristo, sua morte, ressureição e sua eminente volta à Terra para julgá-la e restaurá-la. Doutrinas que versam a respeito do perdão dos pecados, ressurreição dos mortes e vida eterna. Todo ensino que contraria ou relativiza qualquer desses fundamentos básicos devem ser considerados hereges.

Segundo nossos pais, pioneiros no Movimento de Restauração, devemos chamar de irmãos e integra-los em nossa mesa, todos aqueles que compartilham desses essenciais da fé cristã. Todos aqueles que reconhecem que Jesus é completamente homem e completamente Deus.

 

As opiniões e o Amor

Os desdobramentos a respeito das doutrinas basilares podem ser consideradas opiniões. Por exemplo, a doutrina que trata a respeito da remissão de pecados, soberania divina e liberdade humana; o campo da escatologia é um dos mais diversos e com opiniões de diversos tipos, englobando até mesmo muitas teorias da conspiração. O lema do movimento é liberdade nas opiniões e acima de tudo o amor.

O amor, como bem explanou o apóstolo Paulo em I Coríntios 13, é o maior de todos os dons. O amor é o testemunho público de que somos discípulos de Jesus[5]. É o amor que faz com que eu considere meu irmão superior a mim[6], e pense mais nos interesses dele do que nos meus[7]. É o amor que nos mantém unidos apesar de nós e nossas opiniões. O amor a Jesus e ao próximo me ensinam a abrir mão do meu ego (negar a mim mesmo) e a não descer da cruz.

É o amor que nos ensina a andar em humildade e quebrantamento, reconhecendo que a história da Igreja não começou comigo, reconhecendo que há riqueza nas diversas tradições cristãs. É o amor que me ensina esse caminho de unidade e perfeição, lembrando sempre que a honra e a glória são de Deus!

 

Conclusão

Que Deus nos livre de nós e de nosso ego. Que Deus nos dê coração ensinável e olhos para apreciar a beleza da diversidade. Que Deus nos ensine que diversidade e unidade são parte de Sua própria essência, Pai, Filho e Espírito Santo. A beleza da Trindade é revelada na criação, no Corpo de Cristo, a Igreja.

 



[1] O irmão J. H. Garrison escreveu que Rupertus Maldenius sussurrou esse provérbio às gerações futuras por volta de 1627 ou 1628, durante a Guerra dos Trinta Anos, e cinqüenta anos mais tarde Richard Baxter fez uma referência a ele.2 Esse conflito armado teve início em 1618 por causa de diferenças religiosas entre católicos e protestantes e é uma conseqüência da Reforma Protestante. Essa “guerra religiosa” promoveu grandes matanças, verdadeiros banhos de sangue, e a paz só veio com o “Tratado de Westphalia” em 1648.

[2] Ário nasceu entre 256-260 na Líbia, há pouco material sobre sua vida e escritos, mas, tudo indica que a polémica em Alexandria se deu quando Ário já era idoso.

[3] O termo “Católica” significa “uma só”. Portanto, como cristãos, somos católicos, pois cremos na existência de apenas uma Igreja, a comunidade de santos de todas as eras que creem no Cristo. Jesus voltará para uma noiva, uma só igreja.

[4] Colossenses e I João.

[5] João 13:35

[6] Filipenses 2:3

[7] Filipenses 2:4-5