Louvem-te a ti, ó Deus, os povos; louvem-te os povos todos. Alegrem-se e
regozijem-se as nações, pois julgarás os povos com equidade, e governarás as
nações sobre a terra. Louvem-te a ti, ó Deus, os povos; louvem-te os povos
todos.
“O Totem da paz” é um
clássico da missiologia[1],
O livro divide-se em
três partes, na primeira parte Richardson ambienta o leitor a respeito da cultura
sawi e dos povos vizinhos que compartilham das mesmas tradições. Ele dá ênfase
no culto à traição, uma tradição que envolvia planos habilidosos para vingar a
morte de algum parente ou amigo que determinada tribo havia matado. Fazia parte
do ritual o processo de enganar a vítima, fazendo-a acreditar que as desavenças
eram coisas do passado e que agora a amizade e paz estavam estabelecidas.
Todavia, o que está na mente do vingador é o “Tuwi asonai makaerin”, “engordar com amizade para o abate”. Quando a
vítima tinha certeza de que estava segura e feliz, o vingador atacava
arrancando sua cabeça. Toda a tribo se reunia para comer as partes da vítima, a
cabeça era o troféu, pertencia à pessoa que tinha tido um papel crucial no
plano de vingança.
É válido ressaltar que
nessa primeira parte o autor lançou mão de sua licença poética para criar uma
narrativa com lugares e personagens específicos, estes que provavelmente conheceu a partir dos relatos feitos pelos integrantes das tribos sawi ao redor
da fogueira. Posto que, aqueles que participavam ativamente do culto à traição
eram os heróis do povo, seus “feitos” eram contados de geração em geração. A
narração descritiva de Richardson faz com que o leitor se sinta nas selvas da
Papua Nova Guiné, completamente envolvido com o povo sawi.
Os
seis anos de Richardson e sua família entre os Sawis
A parte dois e três do
livro é o testemunho pessoal de Richardson, seu chamado, chegada à Papua Nova
Guiné, seu processo de aquisição da língua, desenvolvimento de relacionamentos,
desafios na pregação do evangelho e a miraculosa conversão desse povo ao
Senhor. O ponto alto do livro e do testemunho do autor é justamente o grande
desafio de falar sobre um Deus que foi traído por um dos seus melhores amigos,
para um povo que venerava traidores. O herói da história de Jesus, para o povo
sawi, em um primeiro momento, era Judas.
O impasse é vencido
através de uma chave que Richardson encontrou na própria cultura sawi, “A
criança da paz”. Dentro da cultura sawi o único modo de impedir o culto à
traição era por meio da troca de crianças entre as duas aldeias (famílias)
rivais, uma das famílias devia oferecer um de seus filhos, assim as crianças
eram trocadas e recebidas. E enquanto aquela criança vivesse a paz estava
estabelecida. Foi a partir dessa tradição que Richardson conseguiu resolver o
mal entendido na história de Jesus e explicar melhor o evangelho para aquele
povo.
Aqui vão algumas
citações que considerei relevantes para o recrutamento e
permanência do missionário em campo transcultural. Como também, a respeito dos
pontos controversos na mudança cultural que esses povos originários vão sofre
em contato com a cultura ocidental:
Ao
falar àquele grupo de estudantes, Vine sentiu-se dominado por uma forte
impressão de objetividade. As outras escolas que visitara em seu itinerário
talvez pudessem se gabar de mais alto nível de escolaridade, e de alunos mais
preparados que os daquele instituto cujo lema era: Formar e disciplinar
soldados de Cristo. Mas ao fazer o apelo para a obra pioneira de fincar a
bandeira do evangelho de Cristo no interior da Nova Guiné Holandesa, entre
tribos isoladas e potencialmente hostis, ele estava cônscio de que o fator
primordial a ser considerado não seria alta escolaridade e cultura, embora tais
coisas não devessem ser absolutamente ignoradas. As qualidades essenciais
que deveriam compor o caráter dos futuros pioneiros naquele trabalho seriam:
uma fé inabalável, a autonegação e o cultivo de uma íntima comunhão com Deus.
Aqueles
que defendem a tese de que os grupos tribais que ainda restam na terra sejam
deixados intactos, não compreendem como tal ideia é ingênua. Neste mundo já não
há lugar para que quem quer que seja possa ser deixado em paz. Já está mais do
que provado que, se os missionários não forem a tais lugares - e eles vão para
dar - madeireiros, caçadores de jacarés, mineradores, plantadores, etc., irão
la - para tomar.
"Será
que não estamos sendo guiados e impulsionados apenas por um sentimento muito
humano de presunção?" E enquanto os sawis arrastavam a embarcação mais
para a terra, impelindo a para a margem lamacenta do rio, ouvi a resposta, que
partia de meu próprio coração. Era a paz, aquela paz que, mesmo que eu
estivesse sendo levado apenas pela presunção, tinha um ponto a seu favor em um
momento de crise, ela ainda se fazia presente. Então pensei: certamente, se
minha motivação não viesse de Deus, aquela paz teria me abandonado agora! Sem
se deixar pressionar pelo alarme que vinha de meus sentidos, aquela paz zombava
das argumentações do raciocínio, e dava forças à certeza que havia no fundo do
meu ser. (p.151)
"Missionário",
indagava ela, "por que você veio aqui?" Era uma pergunta que eu
ouvira muitas vezes dos lábios de incrédulos, e rebatera. Mas agora era o meu
Senhor que a colocava diante de mim, e não havia meios de escapar a ela. […]
Depois, então, respondi. "Senhor Jesus, é por ti que nos encontramos nesta
sendo batizados não em água, mas na realidade dos sais. Isto é um novo batismo
nesta obra que tu preparaste para nós, antes da criação do mundo. Conserva-nos
fieis a ela e a ti. Capacita-nos com teu Espírito. (p.153-154)
Críticas
e cuidado
O testemunho de Don
Richardson é uma injeção de ânimo e fé para todos os seus leitores. Mas, quando
nos deparamos com a realidade do campo transcultural, o processo parece ser
mais lento e desanimador. Segundo os relatos de Richardson em seis anos de
trabalho já haviam convertidos, batizados e parte do Novo Testamendo já
traduzido. É fato que Deus é poderoso para operar milagres e mover da forma
como Ele deseja, todavia, o que temos como maioria nos relatos missionários são
anos e anos sem fruto. Muitos se dedicam ao trabalho com a certeza de que em
algum momento o milagre de conversão e arrependimento irá alcançar seu povo.
Conheço missionários
que passaram mais de vinte e cinco anos trabalhando na tradução e discipulado
de povos sem bíblia, com uma cultura e ambientação similares aos sawis, que só
tiveram seus primeiros batizados após trinta anos de trabalho e pregação. A
palavra que podemos definir o testemunho de Richardson é MILAGRE, AVIVAMENTO.
Deus já havia planejado a conversão do povo sawi para aquele tempo, e Richardson
foi o instrumento usado pelo Senhor.
Outro ponto da obra que
é necessário cuidado e cautela é o que Richardson, em uma obra a parte, vai
chamar de “Fator Melquisedeque”. Entre os Sawis o “Fator Melquisedeque” foi a
“Criança da paz” (Totem da Paz). A tese de Richardson é que cada cultura guarda
elementos chaves que podem estar conectadas à grande narrativa bíblica,
elementos que estão na cultura do povo, deixadas pelo próprio Deus para que o
evangelho seja pregado e compreendido ali. O cuidado que o missionário deve ter
aqui é com os sincretismos. O símbolo precisa de encaixar perfeitamente para
que não haja nenhum mal entendido no processo.