quarta-feira, 21 de agosto de 2024

A jornada do Herói nas produções culturais

 

Eu tenho um super-herói
Que é muito melhor que He-man
Eu tenho um super-herói
Que é muito melhor que Super-homem.

(Alda Célia)




Há alguns meses atrás estava lendo Os irmãos Karamazov de Dostoievski, um clássico russo que tornou-se literatura mundial. E me recordo de o tempo todo, durante a leitura, esperar o herói da história, Aliocha, pisar na bola e mostrar alguma falha em seu caráter. Quando me dei conta do que eu estava fazendo, foi que a ficha caiu do quanto eu estava acostumada com o perfil de heróis que a era pós-moderna trouxe para dentro dos filmes e livros nas últimas décadas.

O clássico virou romântico, que virou realista e que inspirou os precursores modernistas[1]. O modernismo trouxe o anti-herói, no Brasil, conhecido como Macunaíma[2]. O anti-herói é o herói com defeitos, o herói com falhas de caráter e valores, em sua maioria contrários aos que eram enaltecidos pelas gerações anteriores. Quando estudamos as raízes filosóficas dessas escolas e da produção cultural dos últimos dois séculos, vamos entender que “o buraco é bem mais fundo” do que imaginamos.

Nunca antes tivemos tanto conforto, oportunidades para desenvolver nossas habilidades e dons. Nunca antes tivemos o mundo literalmente na palma de nossas mãos, podemos estar conectados à pessoas dos diversos cantos da terra em uma fração de segundos. A distância tornou-se obsoleta. Mas, ao mesmo tempo, nunca presenciamos tanto isolamento, individualismo, doenças relacionadas à mente e emoções. A produção cultural de uma sociedade é só mais um meio pelo qual ela revela seu coração e seus valores.

 

O anti-herói

Talvez o anti-herói mais famoso da modernidade (e continua na pós-modernidade), tanto nos quadrinhos como nos cinemas é o Deadpool. Isso quando falamos de uma das maiores produtoras de heróis de todos os tempos, a Marvel Comic’s. Não sou especialista nessa franquia, pois não assisti a todos os filmes produzidos pela mesma, e muito menos li os quadrinhos, todavia, é impossível ignorar a cultura pop.

Não vejo problema em termos anti-heróis em nossas narrativas e ficções, pois eles mostram muito bem a realidade da humanidade caída, morta em seus delitos e pecados. Contudo, quando o herói perde seu brilho, e passamos admirar e torcer mais por esses “heróis” caídos, é onde realmente mora o problema. É a mesma história de nos pegarmos, ao assistirmos uma novela/série, torcendo para que o casal se divorcie porque os amantes são mais bonitos ou possuem “qualidades” superiores aos cônjuges. O anti-herói é isso mesmo que você está pensando, é uma mistura do vilão com o mocinho da história.

A Bíblia é um exemplo interessante de muitos anti-heróis. Homens e mulheres caídos que suas histórias apontam para a narrativa principal, a necessidade de um Messias, o verdadeiro herói. O papel do anti-herói é apontar para o verdadeiro herói da história, o Deus-homem. O papel do anti-herói é comprovar que a humanidade não pode salvar-se a si mesmo, ela depende da intervenção divina. Pode parecer tema da Escola Bíblica de Férias, mas essa é a mensagem do evangelho, não existe salvação fora de Cristo. Quando nos distanciamos desse modelo de perfeição vamos nos deparar com o que temos encontrado hoje nas narrativas e ficções, heróis à imagem e semelhança da humanidade caída.

 

A pós-modernidade e o enaltecimento do “salve-se a si mesmo”.

Uma cena importante nas Escrituras, durante a crucificação de Jesus, é o momento em que os religiosos passam diante da cruz zombando de Jesus e usam exatamente essa expressão: “Salve-se a si mesmo!”. O único ser humano capaz de salvar a si mesmo, decidiu não salvar a si mesmo, em obediência ao Pai. E hoje quando perguntamos às nossas crianças e adolescentes, quem são seus heróis, a resposta vai ser essa: “Eu sou o meu herói!”[3]. O ceticismo plantado há duas gerações anteriores, cultivado pelo enaltecimento do indivíduo, gerou a geração dos heróis de si mesmo.

É possível ver essa verdade em algumas releituras dos contos de fada nos cinemas, como também as novas histórias sem o famoso “felizes para sempre”. Ficções como As crônicas de gelo e fogo[4] vieram para confirmar as conclusões dos pós-guerras, utopias humanas podem virar distopias. Isso não deixa de ser verdade, entretanto, a intervenção divina é real! Deus entrou na história do cosmo e está restaurando todas as coisas para o louvor de sua glória! Ele continua sendo Senhor de todas as coisas, e sim, o nosso “Felizes para sempre” está por vir.

Ser cristão é ter a certeza de que SE nossos dias melhores [que estão por vir], não chegarem nessa vida, eles estarão chegando com o Messias! Jesus está voltando para governar as nações e restaurar a terra! Quer maior esperança escatológica do que esta?

 

Conclusão

A maior parte de nós quando consumimos cultura pop não ligamos muito para o que aquele artefato cultural (música, filmes, peças de teatro, livros, obras de arte...) está falando, muito menos paramos para pensar sob qual linha filosófica foram produzidos. Afinal de contas, pra que serve filosofia mesmo? A maior parte de nós, quando nos conectamos a algum streaming (Netflix, Amazon, Disney, HBO...) em nossos celulares, laptops ou mesmo televisão, é com o intuito de nos desligarmos da realidade. Procuramos uma ficção que não nos proporcionem reflexões profundas, porque estamos cansados de pensar.

Mas, a parte irônica nisso tudo é que estamos consumindo projetos muito bem pensados, até mesmo aquelas produções que parecem completamente ridículas e sem sentido, elas estão comunicando e moldando formas de pensar. E a tal da filosofia é a forma como esses pensamentos e ideias são sistematizados e explicados. Não existe produção cultural neutra. Os heróis da geração pós-guerra morreram de overdose, os heróis da minha geração querem mudar o mundo. Os heróis da geração atual é o self (si). O papel do herói nas narrativas culturais são muito importantes, pois, como você pode perceber, podem (de)formar a mentalidade de uma geração.

 

 



[1] Aqui resumo de forma cadencial as escolas literárias e artísticas que tiveram início a partir do Iluminismo (Renascimento) – Século XV.

[2] Anti-herói da obra de Mario de Andrade, que em minha opinião é uma produção genial. Todo missionário(a) ou pastor(a) brasileiro(a) deveria ler Macunaíma.

[3] Capital Moral – Roel Kuiper.

[4] Popularmente conhecida por sua saga na HBO “A guerra dos Tronos – Games of thrones” e atualmente a série “Casa do dragão”.