E disse-me: A minha graça te basta,
porque o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza. De boa vontade, pois, me
gloriarei nas minhas fraquezas, para que em mim habite o poder de Cristo.
(2 Coríntios 12:9)
Algo importante que precisamos observar
na narrativa bíblica é a forma como Deus trabalha na história da humanidade,
usando aqueles que “não são” para cumprir seu propósito original, a restauração
de todas as coisas para o louvor de Sua glória. A Bíblia possui inúmeros
exemplos do poder de Deus se aperfeiçoando na fraqueza humana. O caminho da
fraqueza, é o caminho pelo qual o nome do Senhor é mais glorificado, para que
todo o mérito seja Dele.
Um desses exemplos fascinantes é
encontrado no início do segundo livro da Bíblia, o livro de Êxodo. Duas
mulheres que eram parteiras das escravas hebréias. Quando observamos a
organização social daquela época, é possível percebermos que Sifrá e Puá
estavam em uma posição bem inferior na pirâmide social. Elas eram as servas das
escravas. Em um português mais esdrúxulo e popular, elas seriam: “O cocô do
cavalo do bandido.”
O
rei do Egito ordenou às parteiras dos hebreus, que se chamavam Sifrá e Puá:
"Quando vocês ajudarem as hebréias a dar à luz, verifiquem se é menino. Se
for, matem-no; se for menina, deixem-na viver".
Todavia,
as parteiras temeram a Deus e não obedeceram às ordens do rei do Egito;
deixaram viver os meninos. Então o rei do Egito convocou as parteiras e
lhes perguntou: "Por que vocês fizeram isso? Por que deixaram viver os
meninos? "
Responderam
as parteiras do faraó: "As mulheres hebréias não são como as egípcias. São
cheias de vigor e dão à luz antes de chegarem as parteiras".
Deus
foi bondoso com as parteiras; e o povo ia se tornando ainda mais numeroso, cada
vez mais forte. Visto que as parteiras temeram a Deus, ele concedeu-lhes que
tivessem suas próprias famílias.
(Êxodo
1:15-21)
O infanticídio como meio de controle
populacional não é novidade, nem mesmo nos tempos atuais. Infelizmente, essa
era uma realidade praticada por muitos governos da antiguidade. Há dois relatos
bíblicos de autoridades estatais que praticaram isso, Faraó (Êxodo 1) e
Herodes, o Grande (Mateus 2). Esses atos de crueldade ocorreram em momentos de
grande importância para a história da redenção. Aparentemente temos decisões de
governos humanos, todavia, o que temos no texto é o contexto de uma guerra
cósmica travada. Dentro dessa perspectiva, é visível a resistência dos poderes
rebeldes contra a vontade de Deus.
Pelo que é relatado, essas mulheres,
além de serem servas das servas, não pareciam ser casadas e muito menos ter filhos
– ser casada e ter filhos eram requisitos imprescindíveis para que uma mulher
fosse valorizada nos tempos antigos. Não ter filhos era sinônimo de maldição dos
deuses. Deus usou essas mulheres, que não tinham nenhuma importância para os
homens, afim de preservar seu povo, a linhagem do Messias.
Talvez você pode pensar: “Ah!! Então
quer dizer que eu preciso ser pobre, e sem nenhum título ou posição social elevada
para ser usado por Deus ou aprovado por Ele?” Não necessariamente. A questão
aqui está no que Jesus revelou na exposição do Sermão da Montanha, em Mateus
5:3, os “pobres em espírito”. A melhor tradução para essa expressão seria:
“Pobres piedosos”, aqueles que possuem Deus como seu único recurso, ante a
situações de opressão e injustiça. A questão é que normalmente os corações
encontrados nessa condição, de quebrantamento e humildade coincidem com pessoas
socialmente desfavorecidas. Naturalmente rejeitadas e excluídas socialmente.
Portanto, essas mulheres, Sifrá e Puá tinham um coração temente a Deus, mesmo
vivendo na cidade dos homens[1].
Elas não tinham nenhum poder econômico ou político, a pesar disso, não
mostraram nenhum sinal de intimidação com aquele decreto de morte. Essas
mulheres foram usadas como canal da benção de Deus. As parteiras das escravas
tiveram um papel fundamental na história da redenção.
Talvez você se questione, mas a Bíblia
não diz que devemos orar pelas autoridades e honrá-las? Sim, mas há um
princípio antes desse: Importa primeiro obedecer a Deus, do que aos homens. Nossa
obediência total e incondicional é ao Senhor, todavia, se as leis humanas,
contrariam o que foi estabelecido por Deus, podemos – nesse caso – desobedecer
aos homens. Segundo Elaine Storkey, Sifrá e Puá estavam assumindo o mesmo tipo
de convicção de princípios que ecoou com os mártires ao longo dos tempos.
Segundo o pastor Thimoty Keller, Deus
está trabalhando para trazer justiça e salvação nos bastidores das tragédias. A
salvação acontece por meio dos fracos! É assim que Deus age nas linhas da
história humana. Deus chamou aquelas parteiras para agirem a partir do lugar em
que estavam, é o mesmo também para nós hoje! Nosso ponto de partida sempre será
a oração por discernimento, persistência e coragem. O temor a Deus levará
homens e mulheres a gritarem com ousadia contra as injustiças na cidade dos
homens.
Significados e
associações
O nome Sifrá significa “lindo”; Puá quer dizer “gritar”. Significados que
coincidiram diretamente com o propósito de vida dessas duas mulheres. Parece
acaso quando lemos ou pesquisamos a respeito, mas os nomes na Bíblia, em sua
maioria estavam relacionados à vocação ou causa daquele personagem. Como
também, as mudanças de nome são de extrema importância nas escrituras, pois
revelam momentos de mudança no caráter e encontros que trouxeram profundas transformações.
No mesmo contexto que essas mulheres
viviam, um tempo depois do plano de Faraó ter falhado, Deus continuou usando
mulheres para preservarem o menino que mais tarde seria “O libertador” de Israel,
Moisés. Do mesmo modo aconteceu com Jesus. Maria e José, dois judeus comuns, foram
usados por Deus para protegerem o Filho de Deus, enquanto este era apenas um
bebê. Esse casal comum, estava longe dos holofotes sociais, porque tudo isso
fazia parte do propósito de Deus.
E,
tendo eles se retirado, eis que o anjo do Senhor apareceu a José num sonho,
dizendo: Levanta-te, e toma o menino e sua mãe, e foge para o Egito, e
demora-te lá até que eu te diga; porque Herodes há de procurar o menino para
o matar.
E,
levantando-se ele, tomou o menino e sua mãe, de noite, e foi para o Egito.
E
esteve lá, até à morte de Herodes [...]
Então
Herodes, vendo que tinha sido iludido pelos magos, irritou-se muito, e mandou
matar todos os meninos que havia em Belém, e em todos os seus contornos, de
dois anos para baixo [...]
(Mateus
2:13-16)
A guerra cósmica, dos principados e
potestades contra o cumprimento e estabelecimento da vontade de Deus na terra,
é uma realidade! Esse é um dos motivos pelo qual Deus trabalha nos bastidores,
cumprindo as profecias dadas a seu povo da forma que os eruditos e estudiosos
menos esperam. O mistério da fraqueza está relacionada com o que falamos no
início do texto, mas também está ligada a essa verdade. Jesus era o descendente
de Davi, nascido em Belém, mas seus pais não faziam parte da nobreza, a
linhagem do trono havia saído da família de Judá desde o exílio, e se
consolidou na era pós-exílica com o domínio Macabeu – dinastia Asmoneia.
Com o domínio romano, a esperança messiânica
dos judeus não estava mais no filho de Davi que viria, mas na restauração da
dinastia Asmoneia. Interessante essa forma como Deus preparou todo o contexto
para despistar e guardar a semente da mulher para o cumprimento de Seu
propósito, não é mesmo!? É incrível ver essas múltiplas faces do mistério da
fraqueza. Deus derramando graça sobre corações quebrados, movendo seus planos
adiante nos bastidores do sofrimento.
Conclusão
Ainda restam profecias a respeito do
Messias e da consumação do plano de redenção para a humanidade a serem
cumpridas. A atuação de Deus será da mesma maneira, usando a fraqueza e os
bastidores para o cumprimento de seu plano eterno. Deus continuará usando a
perseguição e sofrimento para que Jesus encontre uma noiva madura e preparada para
o casamento. Se foi assim durante toda a narrativa bíblica, porque seria
diferente no que está por vir!?
Que possamos ser achados fiéis, humildes
e mansos diante do Senhor. Para que a graça Dele seja derramada em nossa fraqueza,
para o louvor de Sua glória!
[1]
O termo “Cidade dos homens” se refere ao sistema cultural e religioso regido
por princípios contrários ao Reino de Deus. A narrativa bíblica nos revela que
há o paralelo de duas cidades sendo construídas ao longo da história, Babilônia
e a Nova Jerusalém.
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