segunda-feira, 28 de novembro de 2022

Igrejas de Cristo no Brasil e o Movimento de Restauração

 



Não sei qual seria a melhor forma de começar esse texto, falando a respeito da igreja na qual cresci e o movimento com o qual ela nasceu, ou de como ela não é conhecida e tão famosa quanto as mais tradicionais ou neopentecostais. Talvez, eu possa começar por minha experiência pessoal com essa comunidade de fé, e como minha opinião mudou com o passar do tempo a respeito dela.

A Igreja de Cristo na cidade de Goiás, cidade da Cora Coralina, nasceu com o Movimento de Restauração. É claro que eu não sabia disso até meu segundo COMIC[1] (Congresso de Mocidades das Igrejas de Cristo). Sempre amei a igreja local na qual cresci. Infância, adolescência, juventude e fase adulta, ela fez e continua fazendo parte de mim. É fato que durante minha juventude, época da faculdade, primeiros contatos com diferentes ramos da teologia (e com outras denominações) comecei a questionar sobre o posicionamento teológico da minha igreja local.

Dizia eu: “Poxa, precisamos de bases teológicas mais consistentes! Não sei dizer se sou calvinista, arminiana ou luterana. O que eu sou? Qual a linha teológica da nossa igreja? O que somos?”. Nesse período copiávamos muitos modelos, víamos igrejas crescendo em número e com uma aparente visão unificada e uniformizada, e ficávamos maravilhados, pensando que esse seria o caminho para uma igreja “perfeita”. Foi graças ao nosso sábio pastor, Raimundo Aires, que não sucumbimos em meio a tantos modelos desproporcionais à nossa realidade local.

Mais que uma denominação, as Igrejas de Cristo nasceram de um movimento, um movimento de discípulos de Jesus. Isso tem muita diferença quando falamos do “ser igreja”. Movimentos estão mais ligados à algo vivo, à um corpo que se multiplica em UNIDADE e DIVERSIDADE.

 

O Movimento de Restauração[2]

O Movimento de Restauração, também conhecido como os discípulos de Jesus, buscava uma vida em comunidade o mais parecida possível com o livro de Atos, o cristianismo da Igreja dos primeiros discípulos. Ele teve início durante o século XIX, com o “Segundo Grande Avivamento”. Seus principais nomes foram: Stones e Campbel (Barton W. Stone, Thomas Campbell, Alexander Campbell, Walter Scott, David S. Burnet, Isaac Errett). No Brasil o nome mais conhecido é: Sanders (David e Rute), todavia, tivemos outras famílias de missionários, como os Shields, que contribuíram para a propagação do movimento aqui – principalmente no centro-oeste brasileiro (Goiânia/Brasília).

Não vou delongar na história desses homens, mas gostaria de enfatizar aqui os objetivos e principais declarações do movimento:

1)      Somos uma Igreja de Cristo – Pertencemos a Jesus! Ante a isso, não temos poder para mudar seus ensinos ou reescrever suas regras. Não podemos ainda, acrescentar novas condições para aceitar pessoas como membros da Igreja de Jesus.

2)      Somos uma Igreja que busca a Unidade – Ser um com todos aqueles que confessam a Jesus como Senhor e Salvador. Aqui tem um fato interessante, muitos irmãos católicos foram recebidos na comunhão do movimento. Na nossa cidade, muitos padres e freiras participavam conosco dos cultos de domingo, por amizade e simpatia ao nosso pastor, Raimundo Aires. Lemas do movimento: “Nos essenciais unidade, nas opiniões liberdade, mas em todas as coisas o amor.” “Não somos os únicos cristãos, mas somos unicamente cristãos.”

3)      Somos uma Igreja que busca a Restauração – Ser o mais parecido possível com o exemplo neotestamentário. Aqui tem uma marca interessante das Igrejas de Cristo, além do batismo por imersão, a celebração da ceia acontece todos os domingos.

4)      Somos uma igreja Apostólica – Estudamos e obedecemos os ensinamentos deixados pelos apóstolos, contidos no Novo Testamento. “Nenhum credo além de Cristo, nenhum livro além da Bíblia.” “Onde a Bíblia fala, nos falamos; ondem a Bíblia cala, nós calamos.”

5)      Somos uma igreja que Pensa – Uma igreja que não ignora o intelecto e o usa para a glória de Deus. Contextualizando a mensagem do evangelho, mostrando que fé, ciência, religião e trabalho devem andar juntas para a glória de Deus.

6)      Somos uma Igreja que Sente – Somos uma igreja viva, que o Espírito Santo tem liberdade para agir e mover como no meio dos primeiros discípulos de Jesus. Não nos envergonhamos do evangelho, nem de mostrar nossas emoções em público.

7)      Somos uma Igreja que Compartilha – Temos o desejo de ganhar o máximo de pessoas para Jesus, portanto nos importamos com o evangelismo, discipulado e engajamento desses novos membros na Igreja de Jesus. Queremos também compartilhar nosso dinheiro e posses, pois eles pertencem ao Senhor.

8)      Somos uma Igreja Livre – Como as igrejas bíblicas, somos Independentes. Não temos papa, cardeais, arcebispos, superintendentes denominacionais ou uma sede central para determinar as políticas a seguir. Como congregação autônoma, elegemos nossos líderes e decidimos para onde irá nosso dinheiro. No entanto, não nos recusamos a cooperar com outras igrejas e nos associamos livremente com outras congregações que compartilham as nossas heranças e convicções, para vivermos a mesma fé, promovermos o reino de Deus, assumirmos o compromisso de fidelidade aos princípios do “Movimento de Restauração” e cooperarmos umas com as outras na execução dos programas missionários. Nossos Concílios e Convenções têm um caráter extremamente de comunhão e não têm nenhum poder deliberativo sobre as igrejas.

9)      Somos uma Igreja que Cresce – Desejamos crescer espiritualmente, pois ainda não alcançamos a estatura perfeita. Queremos crescer em comunhão como corpo, mas também queremos crescer numericamente, pois isso está relacionado à Mateus 28:19-20. Não desejamos perder o foco da Grande Comissão.

 

O sacerdócio universal de todo crente

Outro ponto positivo do Movimento de Restauração foi a liberdade de pregação da palavra e ministração da ceia por membros não ordenados ao ministério. Entre nós, brincamos que é o sistema de “baixo clero”. Cada crente é um ministro, e pode compartilhar as boas novas com seu vizinho, na escola ou trabalho.

O sacerdócio universal de todo crente também inclui as mulheres! Oh aleluia! Parece estranho falar isso, não é mesmo? Mas, o ministério feminino em muitas igrejas, até hoje, é questionado e tido como contrário às escrituras[3]. Contudo, as Igrejas de Cristo ordenam mulheres ao ministério pastoral, missionário e evangelístico. Coisa linda!  Como na Igreja primitiva, e o movimento dos primeiros discípulos de Jesus, as mulheres continuam fazendo parte ativa da propagação do evangelho e edificação da igreja.

 

Conclusão

Não quero desprezar aqui a importância dos estudos teológicos, nem a relevância de conhecer e se posicionar em relação às tradições cristãs teológicas. Mas, isso não é o mais importante quando falamos de ser Igreja. Existem ministérios de estudos teológicos (Bibotalk e The Invisible College) hoje que partilham dos mesmos ideais do movimento de restauração, e isso só confirma o quão bíblica e poderosa é essa verdade, andar em unidade.

Unidade é diferente de uniformidade, é possível caminhar em unidade pensando diferente. É exatamente nisso que está a beleza do ser Igreja. É sendo diferente que expressamos a diversidade de Deus, que é trino. Não precisamos deixar de ser pentecostais, arminianos ou calvinistas, podemos aprender uns com os outros em amor. Cooperando para que Jesus seja glorificado.

O Movimento de Restauração nos lembrou de nossas raízes, a igreja apostólica de Jesus. Seus ideais bíblicos trouxeram paz e comunhão em um tempo de guerra, tempo em que luteranos matavam anabatistas, católicos matava protestantes e a Igreja estava dividida. Nossa identidade como discípulos de Jesus está em sermos um, como Ele é um com o Pai.

Para que todos sejam um, como tu, ó Pai, o és em mim, e eu em ti; que também eles sejam um em nós, para que o mundo creia que tu me enviaste.

(João 17:21)

Não somos os únicos cristãos, mas somos unicamente cristãos.”

 “Nos essenciais unidade, nas opiniões liberdade, mas em todas as coisas o amor.”



[1] Se você tem interesse em conhecer mais entre no site, em fevereiro de 2023 terá mais uma edição desse congresso na cidade de Morrinhos. https://www.instagram.com/umicbrasil/

[2] Com base em: https://missaocristabr.org/parceiros/igrejas-de-cristo/

[3] Não vou entrar nas discussões teológicas sobre esse tema aqui, mas em breve teremos um texto sobre o assunto. Acompanhe as próximas postagens.



segunda-feira, 31 de outubro de 2022

As Mulheres na Reforma Protestante

 

Oh, todo-poderoso Deus, Rei dos reis,
Criador do homem e da mulher!
Tu que deste ao primeiro homem uma
companheira para que a raça dos mortais não perecesse;
Tu que desejaste que a alma proveniente
da humanidade venha a ser a mística
noiva do Teu próprio Filho,
e que fizeste com que Teu divino Filho
desse sua vida por ela;
Oh, derrama paz e bênçãos sobre estes
dois que agora se unem diante de Ti.

(Olympia Morata)



Quando o assunto é Reforma Protestante normalmente os texto e boa parte dos livros de história da Igreja, relatam a trajetória de Martinho Lutero, Calvino e Zuínglio. Fui muito edificada com a vida e legado de cada um desses homens, como também dos demais que são citados em diferentes períodos da história da Igreja. Todavia, me recordo de um ano em que eu estava preparando um jogo para a Escola Bíblica de Férias (EBF) da minha igreja. E lembro que quando estava organizando os cartões com a história dos reformadores e avivalistas, não haviam mulheres para colocar nos cartões. E uma adolescente me perguntou: “E onde estão as mulheres? Elas não tiveram contribuição em tudo isso ou não contaram suas histórias?”

Essa pergunta nunca saiu da minha memória, com o tempo ela cresceu, e meus estudos na área, tanto das mulheres História da Igreja como as mulheres da bíblia se intensificou. Dentro dessas áreas veio também o interesse em pesquisar a respeito do ministério feminino e o papel da mulher, dentro e fora dos limites eclesiológicos[1]. Hoje, aproveitando o mês de celebração da Reforma Protestante vou falar um pouco sobre as mulheres desse período. Com a ajuda de Rute Salviano[2], é claro. Essa professora, doutora, tem resgatado a história das mulheres em diversos períodos da Igreja. Rute mostra que em diferentes eras, com ou sem título e reconhecimento eclesiológico e público, elas participaram ativamente dos avivamentos, reformas e da edificação da Igreja; com uma fé simples e testemunho irrepreensível.


As pregadoras, que usavam a pena e a voz

Uma das frentes mais criticadas, até os dias de hoje, por muitos reformadores e membros do clero, era atuação das mulheres na exposição pública das Escrituras. Um dos principais nomes dessa ala de mulheres foi, Maria Dentière (1495-1561). Nascida na Bélgica e introduzida à vida religiosa desde muito cedo. Ao ter contato com os escritos reformados abandonou o convento agostiniano, casou-se com um ex-padre (Simon Robert), tornou-se uma dedicada estudante das escritura, aprendeu hebraico e auxiliava seu esposo na tradução de textos bíblicos.

Dentière levantou a bandeira em defesa da mulher no ministério da pregação pública das Escrituras. Para a reformadora, o sacerdócio universal de todos os crentes incluía as mulheres. E se elas tivessem acesso à Bíblia, poderiam interpretar e pregar a mensagem evangélica da salvação. Dentiére ensinava que a mulher poderia buscar sua identidade por meio do conhecimento das Escrituras.

“Portanto, se Deus deu graça a algumas boas mulheres, revelando a elas, por meio de suas Sagradas Escrituras, algo santo e bom, devem elas hesitar em escrever, falar e declarar umas às outras por causa dos difamadores da verdade? Ah, seria muito audacioso tentar detê-las, e seria muito insensato escondermos o talento que Deus nos deu, nós que temos a graça de perseverar até o fim.”

Os escritos de Dentière, incentivava outras mulheres na escrita e nos estudos teológicos. Infelizmente, a reformadora sofreu censura e perseguição não somente por parte dos católicos de sua época, mas também na ala protestante. Seus trabalhos foram suspensos e suas obras foram impedidas de serem publicadas, pelo conselho de Genebra. Contudo, Dentière não se calou, ela perseverou até o fim.

Olympia Morata (1526-1555), italiana, erudita cristã, fruto da Reforma. Foi a primeira mulher a ser convidada para lecionar grego e latim em uma universidade, mas foi impedida por questões de saúde. Desde cedo foi considerada uma garota prodígio, era chamada de “a mulher mais culta da Europa”. Ela frequentava debates acadêmicos, apresentava preleções e era apreciada por sua eloquência. Morata teve uma conversão genuína e promoveu a Reforma por meio de seus escritos – poemas e cartas que continham suas descobertas bíblicas. Faleceu muito jovem, aos 29 anos, mas completamente transformada.


As esposas, mães e teólogas.

Nessa categoria, nos últimos anos temos visto muitos trabalhos e livros sobre Catarina Von Bora, a esposa de Lutero. Mulher de qualidades singulares, o trabalho de suas mãos e a devoção de seu coração nunca serão esquecidos. Todavia, gostaria de ressaltar aqui, nesse pequeno texto, outros nomes, também importantes para a Reforma Protestante.

Catarina Zell (1497-1562), esposa de Mateus Zell. Mateus era padre quando começou a pregar a justificação pela fé. Ele tinha o desejo de renovar a igreja. Como suas mensagens começaram a causar agitação, o arcebispo de Roma o proibiu de subir ao púlpito novamente. Todavia, ele continuou a evangelizar multidões, e a maioria de seus ouvintes acolheram a fé protestante. Entre as multidões que ouviam Mateus Zell, estava Catarina, foi assim que se apaixonaram e casaram. Eles se tornaram parceiros de ministério, algo notável para a época. Juntos, pastoreavam, acolhiam refugiados, ajudavam necessitados e visitavam os doentes, presos e moribundos.

Além da perseguição dos irmãos católicos, Catarina foi, também, perseguida e criticada pelos líderes luteranos. Na visão deles, ela queria tomar o lugar do marido. Pois além de mãe e esposa, ela tinha aptidão para a escrita, teologia e pregação pública. Catarina era ousada e dava sua opinião sobre o que Igreja deveria ou não fazer em determinadas situações (posição reservada aos homens). Isso causou alvoroço em sua época.

Idelette de Bure (1507-1549), a esposa de João Calvino. Pouco citada na história, mas foi de grande importância no ministério do reformador. Ela era viúva de um pastor anabatista. Após o falecimento do esposo, Idelette casou-se com Calvino em 1540. O trabalho de uma esposa de pastor não era fácil. Idelette tinha um encargo semelhante ao de Catarina Von Bora: hospedar estrangeiros e alunos de seu marido, aconselhar e orar pelos outros, e muitas outras atividades. Calvino a chamou de: “excelente companheira e fiel assistente no ministério”.


As rainhas que acolhiam reformadores

Margarida de Navarra (1492-1549) foi uma delas, irmã do rei da França, Francisco I, e depois rainha do reino de Navarra[3]. Era conhecida por sua caridade e bondade. Tinha um talento nato para a erudição, estudou italiano, espanhol, latim, grego e hebraico. Foi influenciada por Lutero e Calvino, e trocava correspondências com o último. Quando tornou-se rainha de Navarra, abrigou muitos reformadores, como o próprio Calvino. Poetas, filósofos e escritores foram alvos de sua benevolência. Ela fez de seu território um refúgio para pobres, perseguidos e oprimidos da Europa. Entre seus muitos escritos e poesias, o mais conhecidos deles foi uma ficção chamada: “L’Heptaméron” (O Heptameron). Um conjunto de contos que, através do diálogo dos personagens, mostrava preocupação com a ética, amor, amizade, casamento, fidelidade e conflitos entre fé e religião. Essa obra foi uma sábia resposta aos contos imorais de Boccaccio, que na época estavam na moda, na corte francesa.

Renata, princesa da França e duquesa de Ferrara (1510-1574). Renata foi de extrema importância no apoio ao partido protestante, hospedeira de reformadores e auxiliadora financeira. Joana IV, discípula e sucessora de Margarida no reino de Navarra, foi considerada a mulher huguenote mais importante do século XVI.


As mártires, fiéis até a morte

Uma das maiores surpresas que tive ao ler o livro de Rute Salviano, foi conhecer com um pouco mais de profundidade quem foram as mulheres guilhotinadas na Inglaterra por não confessarem a fé católica. O contexto de luta pelo trono entre as herdeiras de Henrique VIII traz essa confusão na cabeça dos que estudam um pouquinho da história inglesa, e nos leva a pensar que o motivo da guilhotina estava atrelado à apenas uma disputa de poder. Todavia, a história nos mostra que a situação era mais complexa.

Quando lemos os relatos históricos da Reforma Protestante na Inglaterra, lembramos apenas de Henrique VIII e sua vontade profana de desfazer seus casamentos e ao mesmo tempo receber a bênção da Igreja. Mas, foi através de Catarina Parr, sua sexta e última esposa, que a nobreza da Inglaterra conheceu a verdadeira fé reformada. Erudita e amante das escrituras, a rainha ficou conhecida por distribuir a bíblia na língua do povo durante seu governo regente (na ausência do marido), em 1543.

A rainha Catarina ficou conhecia pelo “Salão protestante”, uma programação diária de atividades religiosas em seus aposentos. Todas as tardes, ela e suas aias, amigas e outras pessoas se reuniam para ouvir a pregação de um de seus capelães. O Salão protestante promoveu a publicação de obras sacras e a promoção de pessoas cultas. Uma das discípulas de Parr, foi a mártire Anne Askew. Alguns religiosos desse época chamaram esse movimento de “conspiração de mulheres teólogas”. Catarina foi salva da guilhotina por intervenção de seu marido, todavia Askew não teve o mesmo fim.

Anne Askew morreu como herege, por não confessar a fé católica. Até nos últimos instantes antes de morrer, não hesitou em exortar e pregar a verdade do evangelho.

No dia 16 de julho de 1546, aos 25 anos, Anne foi queimada na fogueira. Como resultado de tanta tortura, incapaz de andar, ela precisou ser carregada em uma cadeira até o local de sua morte. Foi presa à estaca pela corrente que a amarrava e executada junto com sete outras pessoas que negavam a transubstanciação.

 

Conclusão

Quando nos deparamos com a história dessas mulheres temos a certeza de que a Reforma Protestante e a Igreja de modo geral, não teria sido a mesma sem a presença e atuação dessas servas de Deus. Cada uma em seu ambiente social, com seus dons e talentos específicos, foram usadas poderosamente pelo Espírito Santo. Essas, são aquelas que tiveram algum registro histórico, todavia, há outras que conheceremos suas histórias na eternidade. As que ficaram no anonimato receberão a recompensa do Eterno.

Ante a tão grande nuvem de testemunhas, lembremo-nos do que o apóstolo Paulo escreveu: “Portanto, meus amados irmãos. Trabalhem sempre para o Senhor com entusiasmo, pois vocês sabem que nada do que fazem para o Senhor é inútil.”.



[1] Da Igreja.

[2] Livro: Reformadoras (Rute Salviano e Jaqueline Sousa)

[3] Região localizada no norte da Espanha, conserva o mesmo nome nos dias de hoje.

domingo, 25 de setembro de 2022

A Bíblia

 

Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para nos ensinar o que é verdadeiro e para nos fazer perceber o que não está em ordem em nossa vida. Ela nos corrige quando erramos e nos ensina a fazer o que é certo. Deus a usa para preparar e capacitar seu povo para toda boa obra.

(2 Timóteo 3:16,17)





O livro mais traduzido e difundido em toda a história da humanidade, desde os dias da Reforma Protestante até os dias de hoje a história não mudou. Mesmo em meio a períodos de humanismo e secularismo em nossas escolas filosóficas, a Bíblia continua a fazer parte da língua e cultura de muitos povos. Para nós evangélicos, é considerada nosso livro sagrado, a forma como Deus decidiu se revelar aos seres humanos. Não é em vão que somos conhecidos como “o povo do livro”. É exatamente o entendimento de que a Bíblia é a palavra de Deus (somente ela) que nos diferencia de muitas outras religiões.

A Bíblia da reforma, a forma como ela chegou para a maioria dos evangélicos de hoje, possui 66 livros, com diferentes tipos de gêneros literários. Narrativa, poesia, música, provérbios / ditos populares de sabedoria, carta, profecia, evangelho e apocalipse. Foi assim que Deus escolheu falar a língua dos homens[1], de modo criativo, cultural e ao mesmo tempo universal.

O Antigo Testamento é também o que chamamos de “Bíblia hebraica”, a compilação de três partes dos livros sagrados do povo judeu: A Torá, Os Escritos e Os Profetas. A língua que Deus escolheu para que parte de sua mensagem fosse revelada à nós foi o hebraico, a língua do povo de Israel. É válido ressaltar que alguns escritos, principalmente pós exílicos, foram feitos no aramaico. Já no Novo Testamento, os dias da encarnação de Jesus, Deus escolheu falar em grego, a língua comum após a helenização dos povos orientais, realizada por Alexandre o grande.

 

Uma colcha de retalhos?

Por mais que os vários livros que compõem a Bíblia pareçam independentes e possuam seu próprio contexto (histórico, literário e social[2]), a mensagem que carregam é a mesma. Desde Gênesis é possível perceber que as narrativas, as poesias, profecias e músicas apontavam para uma única pessoa, Cristo, o Messias. É claro que essa interpretação só vai ficar mais clara por meio do Novo Testamento e a encarnação de Jesus.

Dando graças ao Pai que nos fez idôneos para participar da herança dos santos na luz; O qual nos tirou da potestade das trevas, e nos transportou para o reino do Filho do seu amor; Em quem temos a redenção pelo seu sangue, a saber, a remissão dos pecados; O qual é imagem do Deus invisível, o primogênito de toda a criaçãoPorque nele foram criadas todas as coisas que há nos céus e na terra, visíveis e invisíveis, sejam tronos, sejam dominações, sejam principados, sejam potestades. Tudo foi criado por ele e para eleE ele é antes de todas as coisas, e todas as coisas subsistem por eleE ele é a cabeça do corpo, da igreja; é o princípio e o primogênito dentre os mortos, para que em tudo tenha a preeminênciaPorque foi do agrado do Pai que toda a plenitude nele habitasse, E que, havendo por ele feito a paz pelo sangue da sua cruz, por meio dele reconciliasse consigo mesmo todas as coisas, tanto as que estão na terra, como as que estão nos céus.

(Colossenses 1:12-20)

Portanto, é um erro interpretarmos a Bíblia como uma colcha de retalhos, um compilado de livros com histórias diferentes. A Bíblia teve como inspirador um mesmo Espírito, por mais que seus escritores foram diversos, inseridos em contextos diferentes, que lançaram mão de estilos literários diferentes, todos esperavam pelo descendente da mulher que pisaria a cabeça da serpente (Gn 3:15). Todos esperavam pelo parente próximo que os trariam de volta para a família de Deus. Todos tinham expectativa de um reino restaurado e redimido, de justiça e paz.

Quando estudamos hermenêutica, podemos entender um pouquinho dessa unidade textual das escrituras por meio do Princípio da Revelação Progressiva. Deus vai revelando sua mensagem, e as facetas de seu próprio caráter, conforme o passar das eras, de modo contextualizado e gradativo, até que chegasse a plenitude dos tempos, na chegada do Messias. E essa revelação (Bíblia), também conhecida como revelação Especial, é completamente compreensível para todos os seres humanos de todas as eras. O reverendo Ronaldo Lidório define o Evangelho (a mensagem bíblica) da seguinte forma:

O Evangelho é supracultural, pois define e explica a cultura, não o contrário; cultural, por ter sido revelado à humanidade em seu próprio contexto e história; intercultural, por juntar ao redor de Jesus pessoas de todos os povos; multicultural, ao ser destinado a todos os povos e línguas; transcultural, quando transmitido de uma cultura a outra; e contracultural, pois sempre confronta o homem em sua própria cultura.

Isso não é mesmo impressionante? Só podemos nomear esse feito como obra divina. É um milagre realizado pelo Espírito de Deus. Assim como todas as vezes que essas mesmas palavras são traduzidas[3] para os mais diversos idiomas do mundo, é um grande milagre da parte de Deus. Ele está completamente envolvido nisso, em se revelar e se fazer conhecido para todas as etnias da terra.

 

O protagonista na narrativa bíblica

Outro erro que cometemos ao lermos as narrativas a respeito de Abraão, Moisés, Josué, Débora, Rute e Davi é sempre colocarmos esses homens e mulheres como os personagens principais da história. Prova disso são as aplicações, em nossos sermões, focados em “sermos” ou “não sermos” como esses personagens. Quando lemos a Bíblia sob a perspectiva de que estamos lendo uma única história, e de que o foco está na pessoa de Deus e não em seres humanos, vamos perceber com maior profundidade a mensagem bíblica.

Cada história relatada mostra as fraquezas, incredulidades e pecados da humanidade caída. Em contrapartida, temos um Deus misericordioso, presente, suficiente e incrivelmente longânimo. O verdadeiro Herói da narrativa bíblica, perfeito em caráter e totalmente desejável em beleza e glória. O relato bíblico só confirma o que experimentamos em nosso dia a dia, mesmo em meio às nossas incapacidades e limitações, Ele é soberano! Ele está em missão, trabalhando através da imaturidade de seus filhos, fazendo com que o mal se converta em bem, para que Sua vontade se cumpra e nenhum de seus planos sejam frustrados.

Quando aprendemos a perceber Deus como protagonista na narrativa bíblica também conseguimos visualizar a pessoa de Jesus no centro, cada personagem coadjuvante apontando para o Messias, como uma sombra da perfeição de caráter que estava por vir. A palavra de Deus que se fez carne e habitou entre nós cheio de graça e verdade, é também aquele que estava presente em cada período da história da humanidade.

 

Conclusão

Em Adão estava a expectativa do povo de Deus, dos filhos semelhantes ao Criador. Em Adão estava a expectativa da Igreja, a companheira que estaria em perfeita parceria com seu Senhor. Essa expectativa, com a queda, foi transferida e concretizada em Jesus, o segundo Adão. Fomos, pela graça, colocados em Jesus e por meio dele cumprimos o propósito para o qual fomos criados, glorificar o Criador.

Ao fazermos a leitura da Bíblia, considerando essas perspectivas, teremos ainda mais certeza de que não houve plano B no projeto de Deus. Pedro diz que o cordeiro foi imolado antes da fundação do mundo, ou seja a queda não pegou nosso Deus de surpresa! Jesus se ofereceu como sacrifício perfeito antes de tudo ser criado e toda a história ser contada. Tudo isso apenas confirma a soberania e presciência, facetas do caráter da Trindade. Beleza e perfeição! 



[1] Se você deseja estudar mais sobre o assunto leia o livro do reverendo Paulo Won: E Deus falou na língua dos homens.

[2] Se você deseja estudar mais sobre o assunto leia o livro: Os outros da Bíblia (André Daniel Reinke).

[3] Segundo dados de 2020 da Sociedade Bíblica do Brasil, das mais de 7.300 línguas faladas no mundo hoje, somente 700 dessas línguas possuem a Bíblica completa. Temos 1.549 Novos Testamentos, 1.162 línguas com porções das Escrituras e 3.948 não possuem nada.



quinta-feira, 25 de agosto de 2022

O poder de Deus se aperfeiçoa na fraqueza (Parte II - Um testemunho pessoal)


Todo medo é medo de morrer
Até o medo de não ser amado
Todo medo é medo de não ter
Um alguém por quem vai ser cuidado
O pé para fora da cama
O Judas que a noite trama
O abismo silente me chama
Mãe, ninguém me ama
Teu amor me assombra e quem não vê
Que o herói não passa de um bebê
Vou morrer de amor e vou viver
Com medo e sem temer

(Estevão Queiroga)

Ilustração: Francisco Veiga


Em 27 Dezembro de 2021 sofri um acidente de carro. Estava eu e três amigas missionárias em um carro pilotado por uma delas. Foi durante uma viagem ao sul da Guiné Bissau, entre os feriados e celebrações de fim de ano. Havia uma curva no meio do caminho, no meio do caminho tinha uma curva. Nossa amiga perdeu o controle do carro, mas graças a Deus tinha uma árvore próxima à curva. O carro rodou, bateu na árvore e tombou para o lado oposto.

Quando o carro parou minhas emoções estavam desarranjadas, foi o momento em que paralisei. Havia uma janela aberta, pois o vidro havia sido quebrado pelos galhos da árvore, mas não consegui raciocinar e perceber que poderia sair por conta própria. Minha reação foi apenas gritar (quase que sem voz): "Socorro! Nos ajude!" E foi então que a comunidade chegou, e dois braços fortes me arrancaram de dentro do carro.

Quando o susto passou, e voltei à racionalidade, pensei: “Você poderia ter pulado e saído do carro. Você tinha recursos que poderia ter usado. Que fraca!”. Compartilhando com uma de minhas amigas que também passara pela situação, ela me disse: “Deus conhece nossas limitações, Ele sempre vai preparar outros braços quando os nossos forem insuficientes”. Foi um momento de muita vulnerabilidade.

 

O poder que se aperfeiçoa na fraqueza

E disse-me: A minha graça te basta, porque o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza. De boa vontade, pois, me gloriarei nas minhas fraquezas, para que em mim habite o poder de Cristo.

(II Coríntios 12:9)

Nesse texto, o apóstolo Paulo fala sobre seu “espinho na carne”, e mostra a oração que ele faz ao Senhor, em relação a essa dolorosa parte de si. As especulações a respeito do que seria esse espinho na carne é diversa no meio dos teólogos. Mas, o ponto que gostaria de ressaltar aqui, e o que Paulo também faz questão de enfatizar, é a graça de Deus em meio à sua fraqueza. O poder de Deus se sobressaindo às incapacidades e insuficiências do ser humano.

Paulo não faz questão de detalhar sobre o espinho, nem mesmo como seria “o mensageiro de satanás” que vinha para esbofeteá-lo. A ênfase de Paulo está no que Deus disse: “A minha graça te basta, porque o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza”. É a graça de Deus que lida com nossas insuficiências e nos instrui no caminho do quebrantamento e da pobreza de espírito (humildade). É a graça de Deus que nos capacita para percorrer o caminho do discipulado e viver o propósito que Ele escreveu para nossas vidas, e assim glorificá-Lo.

É Jesus quem nos ajuda com a nossa incredulidade, Ele nos fortalece quando a confiança nos falta, Ele tem colírio quando nossos olhos falham. E a impressão que temos de estar em um lugar além da nossa capacidade, é mesmo uma oportunidade para nos humilharmos na presença de Deus e permitir que Seu poder opere em nós. A disposição em permanecer onde estamos ou nos mover em outra direção é resultado dessa dependência, da certeza de que Ele é suficiente em todas as situações e decisões.

 

Braços que não falham  

Estar convicto de que sempre teremos amparo e sustento nas mais difíceis e dolorosas situações não significa que sempre teremos um braço humano (de carne) nessas situações, mas é saber que mesmo quando nenhum braço estiver presente, Deus estará. Ele é socorro, Ele é braço forte e refúgio seguro. O amparo e presença de Deus serve tanto para o milagre de livramento, quanto para situações de dor e sacrifício. O Deus forte estava presente tanto na cova dos leões com Daniel, como na fogueira quando Policarpo foi duramente martirizado. O braço forte do Senhor é certeza, tanto para a era presente quando para o porvir.


Tu tens um braço poderoso; forte é a tua mão, e alta está a tua destra.
Justiça e juízo são a base do teu trono; misericórdia e verdade irão adiante do teu rosto.
(Salmos 89:13,14)

E tirou a Israel do meio deles; porque a sua benignidade dura para sempre;
Com mão forte, e com braço estendido; porque a sua benignidade dura para sempre;
(Salmos 136:11,12)

A expressão: “Mão forte e braço e estendido”, repetida diversas vezes na bíblia hebraica (Antigo Testamento), mostra o poder de Deus em favor de Israel. O significado dessa expressão é de que a vontade de Deus é irresistivelmente poderosa, nada pode contra Seus planos e desígnios. É irrelevante o homem tentar se levantar contra o que Deus já estabeleceu.

É o braço forte do Senhor que nos livra da morte e supre cada uma das nossas necessidades. É o braço forte do Senhor que nos leva para a morte e nos ensina a viver uma vida de crucificação e renúncia. É o braço forte do Senhor que faz cumprir seus planos, e como disse Jó: Bem sei que tudo podes e nenhum dos seus planos podem ser frustrados. (Jó 42:2)

terça-feira, 21 de junho de 2022

Arrependei-vos, pois é chegado o reino

 



Permita-me aprender pelo paradoxo

que o caminho para baixo

é o caminho para cima,

que ser humilde é ser elevado,

que o coração quebrado

é o coração sarado,

que o espírito contrito

é o espírito alegre,

que a alma arrependida

é a alma vitoriosa,

que não ter nada é possuir tudo,

que suportar a cruz é usar a coroa,

que dar é receber,

que o vale é o lugar da visão.

 

(Orações puritanas – Vale da Visão)

 

A cosmovisão cristã é fundamentada por uma narrativa, poderíamos resumi-la em: criação, queda, redenção e consumação. Esses são os óculos pelos quais podemos vislumbrar relacionamentos, artefatos culturais do mundo ao nosso redor, e também nosso relacionamento com Deus e vida cristã. Essa perspectiva cíclica deve fazer parte do nosso culto e da nossa casa, é exatamente isso que chamamos de liturgia, a forma como organizamos o culto.  Pois a final de contas precisamos de rotina, precisamos do ordinário, precisamos de repetições. É por meio da repetição que somos aperfeiçoados.

O mundo atual quer nos levar a acreditar que rotina é coisa chata, e que a novidade precisa estar presente a todo o momento para nos livrar do tédio. Contudo, Deus se faz presente no ordinário de nosso dia a dia. Ele nos ensinou a participarmos de uma liturgia repetitiva com um propósito. Talvez você já tenha lido o livro de Êxodo (do capítulo 20 em diante) ou o livro de levíticos, e pensou: “Porque esses livros estão na Bíblia? Que coisa repetitiva e chata! Jesus veio, porque preciso ler esses livros também?”.

A natureza cíclica e repetitiva dos rituais em Levíticos causa exatamente essa impressão em nós, não é mesmo!? Mas, há beleza e propósito nisso. Nos fazer entender que nosso relacionamento com o Senhor exige de nós esse constante reconhecimento de nossas fraquezas (queda), e em seguida, pela graça, receber perdão com confiança na obra perfeita da cruz (redenção). Todos os dias o sacerdote deveria repetir o mesmo ritual, e quando havia um pecado específico, a pessoa oferecia uma sacrifício específico por aquele pecado. Isso nos mostra a importância do arrependimento. Caminhar com Cristo é andar em arrependimento e novidade de vida.

 

O que é arrependimento?

“E, naqueles dias, apareceu João o Batista pregando no deserto da Judéia, E dizendo: Arrependei-vos, porque é chegado o reino dos céus.”

(Mateus 3:1,2)

 

O arrependimento é uma disposição de coração. Arrependimento foi a mensagem pregada por João Batista e Jesus. No Sermão do Monte, aqueles que choram são chamados de bem-aventurados. Quando fazemos um estudo desse texto – As bem aventuranças – no sermão de Jesus (Mateus 5), percebemos que todas as “bem aventuranças” estão interligadas, pois elas se referem àqueles que buscam amar a Deus e obedecê-lo. Portanto, “os que choram”, são aqueles que repetidamente se arrependem dos seus pecados. Choram, pois tem fome e sede de fazer a vontade de Deus. O consolo para os que choram é que um dia, o Messias vai retornar e seus corpos não estarão mais subjugados ao pecado e a morte.

Arrependimento é sinal de novo nascimento. Jesus em sua conversa com Nicodemos, em João 3, fala a respeito desse detalhe tão importante na vida religiosa. A diferença do cristianismo com as demais religiões é esse fenômeno interior, realizado inteiramente pela graça de Deus. Uma das evidências do novo nascimento é o arrependimento. E o que isso significa na prática? Abandono de antigas práticas, que são contrárias ao reino e à vontade de Deus. É uma obra inteiramente do Espírito, pois recebemos olhos para ver a condição deplorável à qual nos encontramos. Nas palavras de Dane C. Ortlund:

O novo nascimento não nos transforma simplesmente dando-nos um novo poder para fazer as mesmas coisas que sempre desejamos fazer. Ele nos muda por descer profundamente, até mesmo no nível de nossos desejos, e mudar o que nós queremos. [...]Um cristão nascido de novo traz consigo "uma mudança realizada nos conceitos de sua mente e nos gostos de seu coração" (Jonathan Edwards)

É válido ressaltar ainda que o arrependimento é diferente do remorso. Ambos envolve as emoções, todavia o primeiro está diretamente relacionado à uma consciência moral a respeito da lei do Senhor; o segundo tem o próprio ser humano como centro, ele “se arrepende” de estar recebendo as consequências de seus atos (pecados) e não necessariamente do que fez.

 

Arrependimento é sinal de avivamento!

Quando estudamos história da Igreja, ou a história dos avivamentos, podemos perceber algo em comum em todos eles, vida de oração e retorno às escrituras, como consequência temos arrependimento e conversões genuínas. Savanarola foi um dos precursores na Reforma Protestante, sua mensagem pelas ruas de Florença era um constante apelo para seus compatriotas abandonassem o pecado e se voltassem para Deus em arrependimento.

O mesmo percebemos nos dias de Jonathan Edwards e Jhon Wesley, durante o avivamento de santidade. Uma vida de consagração e entrega completa ao Senhor. O arrependimento nos faz entender que não é possível nos relacionar com Deus à nossa maneira, e que para andar com Ele é preciso reverência e santidade. Andar como Ele andou.

Arrependimento é sinônimo de humilhação e quebrantamento

Aproximem-se de Deus, e ele se aproximará de vocês! Pecadores, limpem as mãos, e vocês, que têm a mente dividida, purifiquem o coração. Entristeçam-se, lamentem e chorem. Troquem o riso por lamento e a alegria por tristeza. Humilhem-se diante do Senhor, e ele os exaltará.

(Tiago 4:8-10)

O arrependimento está relacionado com esse “aproximar-se de Deus”. Tristeza e lamento é fruto desse convencimento, vindo da parte do Espírito de Deus. Um inestimável presente concedido àqueles que foram encontrados pela graça. Quando olhamos o contexto bíblico, podemos perceber o que a palavra “humilhar” significa na prática. Humilhar está sempre relacionada ao jejum. Perceba que é um caminho cíclico: Arrependimento nos leva ao jejum, mortificação da carne e redirecionamento de nossas vontades e desejos, que leva ao quebrantamento, que é sinônimo de humilhação. Pode ser que a ordem não seja exatamente essa, mas esses são eventos repetitivos na vida daqueles que decidiram andar com Deus.

 

Oração

Arrependei-vos! Arrependamo-nos, pois o reino já veio e está chegando. Que não faltem lágrimas em nossos olhos pelos nossos pecados e pela nossa falta de amor ao Senhor! Que o choro seja nosso companheiro quando nos depararmos com nossos ídolos e coração duro. Amém!


sábado, 30 de abril de 2022

Muito da realidade na ficção

 

"Por que você está tão furioso?", o Senhor perguntou a Caim. "Por que está tão transtornado? Se você fizer o que é certo, será aceito. Mas, se não o fizer, tome cuidado! O pecado está à porta, à sua espera, e deseja controlá-lo, mas é você quem deve dominá-lo."

(Gênesis 4:6,7)

 

Imagem do primeiro filme de ficção científica (1902

Não sei se você tem o hábito de ler ficção, mas elas costumam nos dizer muito sobre a realidade e são ferramentas eficazes na transmissão de princípios e valores. Um cristão deve adquirir o hábito de ler ficções, pois ao termos contato com os mais diversos gêneros literários da nossa época podemos entender melhor os escritos bíblicos. Como assim? Deus escolheu gêneros literários específicos de épocas específicas[1] para transmitir sua mensagem. Quando Deus escolheu falar a língua dos homens ele também incluiu recursos artísticos e estéticos dessa linguagem. Coisa linda, não é mesmo!?

No mês de dezembro estava lendo uma ficção fantástica, o primeiro volume da trilogia do professor Wurlitzer[2]: “As crônicas de Olam”. E no mês de Abril comecei esse romance policial da famosa escritora britânica, Agatha Christie. Confesso que minha curiosidade pela obra veio com o lançamento do filme – Morte no Nilo – que ainda não tive oportunidade de assistir. A leitura é bem tranquila e o leitor vai entendendo os fatos a partir das falas dos personagens.

A trama envolve diferentes pessoas da alta sociedade inglesa e norte americana, uma melhor amiga que “rouba” o noivo da outra, ressentimentos, e é claro um assassinato. O ambiente da trama é o Nilo, e o consagrado personagem de Agatha Christie, Hercule Poirot[3] está de férias no cruzeiro e é convidado a investigar o caso. É interessante como a escritora coloca Poirot, com sua experiência criminal, como uma espécie de psicólogo e conselheiro daqueles que estão envolvidos na trama. Nos dizeres do personagem: “A psicologia é o fator mais importante num caso.”

 O Pecado está à porta

Uma das falas de Poirot que mais me chamou atenção foi em sua conversa com Jackeline Bellefort, a amiga traída. Após ouvir o que estava em seu coração e perceber que a amargura havia tomado conta do coração da moça, Poirot dá um conselho muito semelhante ao que Deus dá a Caim, logo após o culto que ele e Abel prestaram ao Senhor.

– Mademoiselle, eu lhe imploro, não faça isso.

– O senhor quer que eu deixe Linnet em paz.

– É algo mais profundo do que isso. Não abra seu coração ao mal.

Boquiaberta, uma expressão de perplexidade surgiu em seu olhar.

Poirot continuou, em tom grave:

 – Porque se abrir, o mal entrará... Sim, o mal certamente entrará... Entrará e fará morada dentro da senhorita. Depois de um tempo, já não será possível expulsá-lo.

(Conselho de Poirot à senhorita de Bellefort)

 

Essa é uma lição preciosa! Não podemos achar que o pecado é inofensivo, suas consequências são devastadoras e a tendência é nos levar para níveis maiores de queda espiritual e moral. Quando Poirot fala sobre “não ser possível expulsá-lo”, ele se refere às sérias consequências que os sentimentos de amargura e vingança podem causar. Um sentimento errado, cultivado em nossos corações podem ter consequências irreversíveis. Como assim, a graça de Deus não pode alcançar esses corações que se entregaram completamente ao mal? Pode, mas nem sempre isso acontece. Muitos se perdem para sempre!

São exemplos disso, Caim e Judas. Ambos não encontraram o caminho para o arrependimento de seus sentimentos desalinhados e suas ações de morte. A graça de Deus é poderosa para superabundar onde o pecado um dia reinou, mas isso não nos permite brincarmos com o mal.  A advertência dos apóstolos é sempre para fugirmos da aparência do mal, praticarmos o perdão – para que a amargura não crie raízes em nossos corações –, fugirmos das paixões desse mundo e buscarmos sempre estar em paz com todos. Essas advertências são maneiras de Deus nos dizer: “Para que suas emoções funcionem bem, você precisa de mim. Seus afetos e paixões precisam estar voltados para mim! Eu preciso ser o centro dos seus afetos!”

É interessante que Caim mata seu irmão, logo após participar de um culto ao Senhor. Parece completamente estranho e pouco provável de acontecer, mas é algo completamente real onde há corações que brincam com o pecado. Em um de seus discursos públicos, Jesus mostrou a todos a raiz do pecado: “Mas, o que sai da boca, procede do coração, e isso contamina o homem. Porque do coração procedem os maus pensamentos, mortes, adultérios, fornicação, furtos, falsos testemunhos e blasfêmias”. (Mateus 15:18,19)

 

Os vilões da ficção

Não sei se você já percebeu, mas normalmente um vilão, com raras exceções, em algum momento da narrativa, praticava o bem. Usando a linguagem de “Star Wars”[1], antes de passar para o “Dark side of force” (lado escuro da força) o vilão estava entre os “heróis”. Os autores das ficções, em sua maioria, mostram que essa mudança de “lado” se dá devido a pensamentos e desejos errados – anseio por poder, fama ou dinheiro. O progresso desses personagens é se afundar cada vez mais no abismo. A maior parte deles tem um fim sem redenção, mas há exceções como na própria franquia “Star Wars”, com seu personagem Darth Vader.

Outro ponto interessante para se observar nessas mesmas obras são as ligas de vilões. Normalmente elas se formam a partir do ressentimento, ou raiz de amargura, que boa parte nutre contra algum dos “mocinhos”. Ou mesmo, porque os anseios por reino, poder e glória já dominam o coração dos mesmos. Há também aqueles que estão, de outra maneira, emocionalmente desequilibrados, ou se encontram em situação de vulnerabilidade emocional[2], sendo assim, presas fáceis para “o chefe dos vilões”. Estes, por sua vez, possuem uma personalidade forte com bastante habilidade argumentativa, perspicácia e controle emocional.

O que poderíamos dizer diante de tantas realidades que as ficções nos mostram? O coração do homem é um dispositivo de adoração! Fomos projetados para esse fim, e nossa natureza caída terá uma tendência a escolher o que é mal. Mas, a graça de Deus nos capacita a escolhermos o que é bom!

 

Conclusão

Aquilo que cultivamos em nossos corações, floresce e frutifica, seja coisa boa ou coisa ruim. Não pense que conseguimos por nossas próprias forças cultivar alguma coisa boa, o caminho para esse tipo de plantio passa pelas disciplinas espirituais. É justamente por esse motivo que precisamos tanto da oração. E em nossas orações, precisamos sempre clamar ao Pai, graça, para vencer o pecado. Graça, para amá-Lo mais do que todas as outras coisas. Graça, para ser semelhante a Cristo.

É somente uma vida de crucificação – negando nossa vontade caída – que nos levará a ser quem nós nascemos para ser. Somente a cruz pode esconder quem não somos[3]. Esse é motivo pelo qual temos tantas versões terríveis de seres humanos; temos nos deparado com as piores versões nos últimos tempos, não é mesmo? Nunca duvide disso, podemos fazer (ser) coisas horripilantes quando andamos independentes de Deus. Só Jesus pode nos ensinar a ser a versão de humanidade que nascemos para ser. Somente em Jesus podemos ser a melhor versão de nós mesmos.

Por fim, irmãos, quero lhes dizer só mais uma coisa. Concentrem-se em tudo que é verdadeiro, tudo que é nobre, tudo que é correto, tudo que é puro, tudo que é amável e tudo que é admirável. Pensem no que é excelente e digno de louvor.

(Filipenses 4:8)



[1] Guerra nas estrelas – é uma franquia do tipo space opera estadunidense criada pelo cineasta George Lucas, que conta com uma série de nove filmes de fantasia científica e dois spin-offs. O primeiro filme foi lançado apenas com o título Star Wars, em 25 de maio de 1977, e tornou-se um fenômeno mundial inesperado de cultura popular.

[2] Um exemplo de personagens assim é Queenie Goldstein (interpretada pela atriz norte-americana, Alison Loren) da franquia Harry Potter. Filmes: “Animais fantásticos”.

[3] Parte da música dos Arrais, 17 de Janeiro. 



[1] A Bíblia (livros) é um compilado de diversos gêneros literários: Narrativas, cartas, profecias, evangelhos (biografias teológicas), poesias, apocalipses, etc.

[2] L. L. Wurlitzer.

[3] Hercule Poirot é um detetive belga fictício criado pela romancista inglesa Agatha Christie. Junto com Miss Marple, é uma das personagens mais famosas da romancista, aparecendo em 33 romances e 51 contos, publicados entre 1920 e 1975.