"Por que você está tão furioso?",
o Senhor perguntou a Caim. "Por que está tão transtornado? Se você fizer o
que é certo, será aceito. Mas, se não o fizer, tome cuidado! O pecado está à
porta, à sua espera, e deseja controlá-lo, mas é você quem deve
dominá-lo."
(Gênesis 4:6,7)
Não sei se você tem o hábito de
ler ficção, mas elas costumam nos dizer muito sobre a realidade e são
ferramentas eficazes na transmissão de princípios e valores. Um cristão deve
adquirir o hábito de ler ficções, pois ao termos contato com os mais diversos
gêneros literários da nossa época podemos entender melhor os escritos bíblicos.
Como assim? Deus escolheu gêneros literários específicos de épocas específicas[1]
para transmitir sua mensagem. Quando Deus escolheu falar a língua dos homens
ele também incluiu recursos artísticos e estéticos dessa linguagem. Coisa
linda, não é mesmo!?
No mês de dezembro estava lendo
uma ficção fantástica, o primeiro volume da trilogia do professor Wurlitzer[2]:
“As crônicas de Olam”. E no mês de Abril comecei esse romance policial da
famosa escritora britânica, Agatha Christie. Confesso que minha curiosidade
pela obra veio com o lançamento do filme – Morte no Nilo – que ainda não tive
oportunidade de assistir. A leitura é bem tranquila e o leitor vai entendendo
os fatos a partir das falas dos personagens.
A trama envolve diferentes
pessoas da alta sociedade inglesa e norte americana, uma melhor amiga que
“rouba” o noivo da outra, ressentimentos, e é claro um assassinato. O ambiente
da trama é o Nilo, e o consagrado personagem de Agatha Christie, Hercule Poirot[3]
está de férias no cruzeiro e é convidado a investigar o caso. É interessante
como a escritora coloca Poirot, com sua experiência criminal, como uma espécie
de psicólogo e conselheiro daqueles que estão envolvidos na trama. Nos dizeres
do personagem: “A psicologia é o fator mais importante num caso.”
Uma das falas de Poirot que mais
me chamou atenção foi em sua conversa com Jackeline Bellefort, a amiga traída.
Após ouvir o que estava em seu coração e perceber que a amargura havia tomado
conta do coração da moça, Poirot dá um conselho muito semelhante ao que Deus dá
a Caim, logo após o culto que ele e Abel prestaram ao Senhor.
– Mademoiselle, eu lhe imploro, não faça
isso.
– O senhor quer que eu deixe Linnet em paz.
– É algo mais profundo do que isso. Não abra
seu coração ao mal.
Boquiaberta, uma expressão de perplexidade
surgiu em seu olhar.
Poirot continuou, em tom grave:
–
Porque se abrir, o mal entrará... Sim, o mal certamente entrará... Entrará e
fará morada dentro da senhorita. Depois de um tempo, já não será possível
expulsá-lo.
(Conselho de
Poirot à senhorita de Bellefort)
Essa é uma lição preciosa! Não
podemos achar que o pecado é inofensivo, suas consequências são devastadoras e
a tendência é nos levar para níveis maiores de queda espiritual e moral. Quando
Poirot fala sobre “não ser possível expulsá-lo”, ele se refere às sérias
consequências que os sentimentos de amargura e vingança podem causar. Um
sentimento errado, cultivado em nossos corações podem ter consequências
irreversíveis. Como assim, a graça de Deus não pode alcançar esses corações que
se entregaram completamente ao mal? Pode, mas nem sempre isso acontece.
Muitos se perdem para sempre!
São exemplos disso, Caim e Judas.
Ambos não encontraram o caminho para o arrependimento de seus sentimentos
desalinhados e suas ações de morte. A graça de Deus é poderosa para
superabundar onde o pecado um dia reinou, mas isso não nos permite brincarmos
com o mal. A advertência dos apóstolos é
sempre para fugirmos da aparência do mal, praticarmos o perdão – para que a
amargura não crie raízes em nossos corações –, fugirmos das paixões desse mundo
e buscarmos sempre estar em paz com todos. Essas advertências são maneiras de
Deus nos dizer: “Para que suas emoções funcionem bem, você precisa de mim. Seus
afetos e paixões precisam estar voltados para mim! Eu preciso ser o centro dos
seus afetos!”
É interessante que Caim mata seu
irmão, logo após participar de um culto ao Senhor. Parece completamente
estranho e pouco provável de acontecer, mas é algo completamente real onde há
corações que brincam com o pecado. Em um de seus discursos públicos, Jesus
mostrou a todos a raiz do pecado: “Mas, o
que sai da boca, procede do coração, e isso contamina o homem. Porque do
coração procedem os maus pensamentos, mortes, adultérios, fornicação, furtos,
falsos testemunhos e blasfêmias”. (Mateus 15:18,19)
Os vilões da ficção
Não sei se você já percebeu, mas
normalmente um vilão, com raras exceções, em algum momento da narrativa,
praticava o bem. Usando a linguagem de “Star Wars”[1],
antes de passar para o “Dark side of force” (lado escuro da força) o vilão
estava entre os “heróis”. Os autores das ficções, em sua maioria, mostram que
essa mudança de “lado” se dá devido a pensamentos e desejos errados – anseio
por poder, fama ou dinheiro. O progresso desses personagens é se afundar cada
vez mais no abismo. A maior parte deles tem um fim sem redenção, mas há exceções
como na própria franquia “Star Wars”, com seu personagem Darth Vader.
Outro ponto interessante para se
observar nessas mesmas obras são as ligas de vilões. Normalmente elas se formam
a partir do ressentimento, ou raiz de amargura, que boa parte nutre contra
algum dos “mocinhos”. Ou mesmo, porque os anseios por reino, poder e glória já dominam
o coração dos mesmos. Há também aqueles que estão, de outra maneira,
emocionalmente desequilibrados, ou se encontram em situação de vulnerabilidade
emocional[2],
sendo assim, presas fáceis para “o chefe dos vilões”. Estes, por sua vez,
possuem uma personalidade forte com bastante habilidade argumentativa,
perspicácia e controle emocional.
O que poderíamos dizer diante de
tantas realidades que as ficções nos mostram? O coração do homem é um
dispositivo de adoração! Fomos projetados para esse fim, e nossa natureza caída
terá uma tendência a escolher o que é mal. Mas, a graça de Deus nos capacita a
escolhermos o que é bom!
Conclusão
Aquilo que cultivamos em nossos
corações, floresce e frutifica, seja coisa boa ou coisa ruim. Não pense que
conseguimos por nossas próprias forças cultivar alguma coisa boa, o caminho
para esse tipo de plantio passa pelas disciplinas espirituais. É justamente por esse
motivo que precisamos tanto da oração. E em nossas orações, precisamos sempre
clamar ao Pai, graça, para vencer o pecado. Graça, para amá-Lo mais do que
todas as outras coisas. Graça, para ser semelhante a Cristo.
É somente uma vida de
crucificação – negando nossa vontade caída – que nos levará a ser quem nós
nascemos para ser. Somente a cruz pode esconder quem não somos[3].
Esse é motivo pelo qual temos tantas versões terríveis de seres humanos; temos
nos deparado com as piores versões nos últimos tempos, não é mesmo? Nunca
duvide disso, podemos fazer (ser) coisas horripilantes quando andamos
independentes de Deus. Só Jesus pode nos ensinar a ser a versão de humanidade
que nascemos para ser. Somente em Jesus podemos ser a melhor versão de nós
mesmos.
Por fim, irmãos, quero lhes dizer só mais uma coisa. Concentrem-se em
tudo que é verdadeiro, tudo que é nobre, tudo que é correto, tudo que é puro,
tudo que é amável e tudo que é admirável. Pensem no que é excelente e digno de
louvor.
(Filipenses 4:8)
[1]
Guerra nas estrelas – é uma franquia do tipo space opera estadunidense criada
pelo cineasta George Lucas, que conta com uma série de nove filmes de fantasia
científica e dois spin-offs. O primeiro filme foi lançado apenas com o título
Star Wars, em 25 de maio de 1977, e tornou-se um fenômeno mundial inesperado de
cultura popular.
[2] Um
exemplo de personagens assim é Queenie Goldstein (interpretada pela atriz
norte-americana, Alison Loren) da franquia Harry Potter. Filmes: “Animais
fantásticos”.
[3]
Parte da música dos Arrais, 17 de Janeiro.
[1] A
Bíblia (livros) é um compilado de diversos gêneros literários: Narrativas,
cartas, profecias, evangelhos (biografias teológicas), poesias, apocalipses,
etc.
[2] L.
L. Wurlitzer.
[3] Hercule
Poirot é um detetive belga fictício criado pela romancista inglesa Agatha Christie.
Junto com Miss Marple, é uma das personagens mais famosas da romancista,
aparecendo em 33 romances e 51 contos, publicados entre 1920 e 1975.