Existe uma chave hermenêutica que
nós cristãos devemos fazer uso dela, principalmente quando lemos o Antigo Testamento.
Essa chave chama-se, Cristo. Um dos diferenciais da nossa interpretação bíblica
para a de alguns judeus é a certeza que o Filho estava presente desde a criação
do mundo, e Ele aparece de alguma maneira em cada livro da Bíblia. Seja de modo
tipológico, seja como teofania. O Messias é a linha pela qual as várias
narrativas individuais tornam-se apenas uma, a história da redenção. Jesus é o
fio escarlate que perpassa todas as páginas da Bíblia.
As tipologias são representações
de algo maior que estava por vir. Os tipos podem ser objetos, pessoas e também
animais. Por exemplo: José é um tipo de Jesus quando este é vendido por seus
irmãos e por meio de sua vida a família de Israel é salva da fome que estava por
vir. Moisés é um tipo de Cristo, o libertador, que tira o povo de Deus do Egito
e o leva para a terra prometida. Exemplos de objetos e animais como tipos de
Jesus: O cordeiro sacrificado na Páscoa, como memória e expiação. Os
sacrifícios feitos no tabernáculo apontavam para o sacrifício feito por Jesus
na cruz. O sumo-sacerdote apontava para o sumo-sacerdote perfeito, sem pecado,
que viria para ser Ele mesmo o único mediador entre Deus e o homem.
Ainda sobre a tipologia, Davi e
Salomão foram um tipo de Cristo no sentido de construir um tabernáculo para o
Criador. Jesus fez isso através de sua morte e ressureição, somos a habitação
de Deus. Esses primeiros reis apontam para a linhagem de Jesus e sua posição
como Rei e senhor. Os diversos reinados em Israel falharam, os reinos e
governos do mundo continuarão falhando, todos serão esmiuçados quando o
verdadeiro rei chegar para governar as nações. Todos os governos por mais
justos e aparentemente sujeitos à Deus foram e serão somente uma sombra do
governo do Messias.
Não é em vão que Jesus afirma que
“Ele era a lei e os profetas”. Ele está presente como o logos (a palavra) que
deu origem ao mundo; Ele é o pão e a água que alimentou o povo no deserto; Ele
é o santo de Deus; Ele é o sacrifício e o sumo-sacerdote; Ele é conhecido em
gerações; Ele é o parente próximo que veio resgatar sua família; Ele é o rei
dos reis, a raiz de Davi; Ele é o redentor; Ele é o Filho que deve ser beijado;
Ele é a sabedoria de Deus; Ele é o meio de não “corrermos atrás do vento”; Ele
é o mais belo entre milhares; Ele é Emanuel e aquele que vem de Bozra; Ele é o
que envia; Ele é o anjo do Senhor; Ele é o Filho do homem. Ele é a expressão
exata do Pai!
No Antigo Testamento quando temos
a expressão “O Anjo do Senhor” é considerada um tipo de teofania[1].
Quando o próprio Deus se fazia presente naquela situação. Conversando, comendo,
recebendo adoração e lutando por seu povo. Veja alguns exemplos:
1) Quem
conversou com Agar?
E o anjo do Senhor a achou junto a uma fonte de água no deserto,
junto à fonte no caminho de Sur. E disse: Agar, serva de Sarai, donde vens, e
para onde vais? E ela disse: Venho fugida da face de Sarai minha senhora. Então
lhe disse o anjo do SENHOR: Torna-te para tua senhora, e humilha-te
debaixo de suas mãos. Disse-lhe mais o anjo do Senhor: Multiplicarei
sobremaneira a tua descendência, que não será contada, por numerosa que será. [...]
E ela chamou o nome do Senhor, que com ela falava: Tu és Deus que me vê;
porque disse: Não olhei eu também para aquele que me vê?
(Gênesis 16:7-13[2])
Esse texto é muito interessante,
Deus fala e mostra seu rosto a uma mulher. E não uma mulher especial, ou com
status importante, mas com uma escrava. Deus se revela e permite ser adorado
por uma egípcia que servia a família que estava prestes a se tornar o povo de
Deus.
2) Quem
almoçou com Abraão?
Depois apareceu-lhe o Senhor nos carvalhais de Manre, estando
ele assentado à porta da tenda, no calor do dia e levantou os seus olhos, e
olhou, e eis três homens em pé junto a ele. E vendo-os, correu da porta da
tenda ao seu encontro e inclinou-se à terra, E disse: Meu Senhor, se
agora tenho achado graça aos teus olhos, rogo-te que não passes de teu servo.
[...] E disse o Senhor a Abraão: Por que se riu Sara, dizendo: Na
verdade darei eu à luz ainda, havendo já envelhecido? Haveria coisa alguma
difícil ao Senhor? Ao tempo determinado tornarei a ti por este tempo da vida, e
Sara terá um filho. E Sara negou, dizendo: Não me ri; porquanto temeu. E ele
disse: Não digas isso, porque te riste.
(Gênesis 18:1-3 e 13-15)
Veja que a primeira atitude de
Abraão foi se prostrar, ele reconheceu de imediato que era o Senhor. Não houve
repreensão pelo gesto de adoração[3].
Quando um ser humano estava prestes a adorar um anjo, dentro das escrituras,
estes se recusavam a serem adorados (veja: Ap 19:10, 22:9). O mesmo Deus que o
havia chamado da terra dos caldeus, o mesmo Deus que o chamou para fazer uma
aliança. E por causa dessa aliança, você vai perceber se continuar lendo o
texto, Deus não pode esconder o que estava prestes a fazer.
3) Quem
deu a mensagem à mãe de Sansão e a seu esposo Manoá?
E o anjo do Senhor apareceu a esta mulher, e disse-lhe: Eis que
agora és estéril, e nunca tens concebido; porém conceberás, e terás um filho.
Agora, pois, guarda-te de beber vinho, ou bebida forte, ou comer coisa imunda.
Porque eis que tu conceberás e terás um filho sobre cuja cabeça não passará
navalha; porquanto o menino será nazireu de Deus desde o ventre; e ele começará
a livrar a Israel da mão dos filisteus. [...] E disse Manoá ao anjo do
Senhor: Qual é o teu nome, para que, quando se cumprir a tua palavra, te
honremos?[4]
[...]
E o anjo do Senhor lhe disse: Por que perguntas assim pelo meu
nome, visto que é maravilhoso? Então Manoá tomou um cabrito e uma oferta de
alimentos, e os ofereceu sobre uma penha ao Senhor: e houve-se o anjo
maravilhosamente, observando-o Manoá e sua mulher. E sucedeu que, subindo a
chama do altar para o céu, o anjo do Senhor subiu na chama do altar; o que
vendo Manoá e sua mulher, caíram em terra sobre seus rostos. E nunca mais apareceu
o anjo do Senhor a Manoá, nem a sua mulher; então compreendeu Manoá que
era o anjo do Senhor. E disse Manoá à sua mulher: Certamente morreremos,
porquanto temos visto a Deus.
(Juízes 13:3-5 e 17-22)
Esse texto da anunciação do nascimento de Sansão é muito interessante.
O próprio Deus aparece para anunciar o próximo juiz de Israel, uma criança que
seria completamente dedicada a Ele e a seus interesses. É uma pena ver que
Sansão se desviou desse propósito, mas ele foi escolhido por Deus, antes mesmo
de ser concebido. No texto, o anjo recebe o sacrifício de adoração e deixa claro
para o casal que Ele era Deus.
Conclusão
O anjo do Senhor vai aparecer em vários episódios da
história de Israel, para os profetas, em batalhas e acontecimentos
significativos. Alguns teólogos afirmam que essas aparições de Deus no Antigo
Testamento, era um prelúdio da encarnação. Jesus presente em toda a história de
Israel, sendo Ele o personagem principal da narrativa da missão de Deus.
[1]
Aparição ou manifestação de Deus.
[2]
Todas as referências são ACF – Almeida Corrigida Fiel.
[3] Em
alguns casos, se prostrar era um ato de saudação e reverência, mas também
estava relacionado à adoração.
[4]
Perguntar o nome do deus / anjo era uma maneira de controlar a divindade por
meio de rituais mágicos, usando o nome desta. É por isso que Deus nunca
responde de maneira específica e “completa” como os seres humanos desejam. O
Deus de Israel não pode ser manipulado, controlado ou delimitado.