sábado, 8 de abril de 2023

Celebrando o Messias na Páscoa


Lembre-se de quem bebeu do fel amargo de uma taça [...]
Lembre-se de quem nos deu o próprio sangue como um selo
Que homens vem e vão, mas Ele permanece eternamente
Que Aquele que desceu, é o mesmo que
subiu e que nos levará para sempre.

(Eu vou me lembrar – Banda Resgate)

 

Rogier Van Der Weyden

A Páscoa é uma das festas judaicas que rememora de modo completo todo o Plano de Redenção do Senhor para a humanidade. O livro de Êxodo, em forma simbólica e nacional, contém todo o desenrolar desse plano de Deus, de salvar e restaurar todas as coisas. Podemos ver (a partir da leitura do livro) tudo acontecendo de modo micro, por meio do povo de Israel e o cordeiro pascal sendo imolado para salvação dos primogênitos. E “logo em seguida”, nos dias de Jesus, vemos o cumprimento em proporção macro, a humanidade sendo redimida por meio do sacrifício do Cordeiro perfeito. Além do ponto da redenção, também observamos o viés escatológico presente na Páscoa e no Êxodo. Todas as etapas de juízo, redenção, livramento do povo de Deus, tabernaculação e ressurreição estão presentes na celebração da páscoa.

É claro que essa visão completa só nos é permitida por meio de Jesus. Não podemos cair no anacronismo de afirmar que os primeiros israelitas, que celebraram a Páscoa, enxergaram o quadro completo da história da redenção. Mas, podemos perceber a tipologia presente em todos os elementos dessa celebração, como também no enredo da peregrinação pelo deserto até a chegada na Terra prometida.

O contexto em que a celebração da Páscoa foi instituído por Deus, através de Moisés, era de transição. O período em que Deus derramaria a última das dez pragas sobre o Egito, a morte dos primogênitos. O coração de Faraó estava endurecido, mesmo após todos os juízos já derramados. Uma nação às portas da liberdade, mas aprisionados pela mentalidade de 400 anos de cativeiro. A semente de Abraão, o povo da promessa, presenciando todas as maravilhas do braço forte e soberano do Senhor movendo em favor de Seu nome. O pacto da graça estava se desenrolando.

O Cordeiro pascal – Deus protege seu povo

No dia seguinte João viu a Jesus, que vinha para ele, e disse: Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo.

João 1:29

Há um aspecto interessante em Êxodo 6:6-7[1], o verbo traduzido com “adquirir” ou “resgatar” aponta para uma transação comercial, o comprador paga o preço para se tornar dono daquilo que foi adquirido. É isso que acontece na Páscoa, Deus paga o preço (o Cordeiro) para adquirir Israel, seu primogênito. Isso coloca Deus em uma posição mais ativa da história. Ele poupa os primogênitos daqueles lares israelitas, por meio do cordeiro. E mais tarde ele derrama seu próprio juízo em si mesmo, pagando o preço por sua Igreja, composta por judeus e gentios (o verdadeiro Israel de Deus).

É claro que vamos ver a exortação e o juízo de Deus começando por sua casa (Israel e Igreja), mas são situações diferentes. Podemos observar isso por meio do profetismo no antigo Israel, em tempos de idolatria e corrupção os profetas relembravam o povo a respeito da Aliança no Sinai e os chamava ao arrependimento. Caso não houvesse uma resposta positiva, as consequências eram inevitáveis (cerco, morte e exílio). O mesmo observamos no livro de Apocalipse, os capítulos 2 e 3 apresentam exortações severas à Igreja do Senhor. É uma oportunidade de lembrarmos onde caímos e voltarmos a amar ao Senhor.

No Dia do Senhor, e os anos que precederão seu retorno, Deus fará separação entre a Igreja e aqueles que rejeitaram o Cordeiro. O juízo virá sobre a terra, mas como no Egito, Deus fará separação entre os justos e injustos.

 

O Juízo sobre os incrédulos

Um dos aspectos que muitas vezes nos passa despercebido, quando lemos o livro de Êxodo e a narrativa da primeira Páscoa, é seu viés escatológico. Dan Juster, em seu livro “Páscoa”[2] mostra o paralelo presente entre o livro de Apocalipse e o livro de Êxodo. As pragas, quando são colocadas de modo paralelo às Trombetas, mostram-se muito semelhantes. Como também, a separação feita entre os que creem no Cordeiro e os que não creem (Êxodo 8:22-23 / Apocalipse 7:3).

Deus derramou juízo sobre aqueles que se recusaram a crer no sangue do cordeiro pascal. Jesus veio e recebeu a ira de Deus na cruz, em favor de todos aqueles que creem. A ira de Deus foi derramada sobre o Servo sofredor, para que por meio dele tivéssemos vida. Ele abriu um novo e vivo caminho para o Pai, e assim podemos ter paz com Deus. Todavia, em sua segunda vinda, o juízo será derramado sobre aqueles que se recusaram a crer.

 

A ressurreição dos Mortos

“Somente onde há sepulturas, há ressurreição.” (Karl Barth parafraseando Nietzsche)

Um ponto novo que a Páscoa apresenta, por meio de Jesus, é a vitória sobre a morte. A salvação em Jesus é apresentada de modo completo. A ressurreição de Jesus mostra à seus discípulos que mesmo que seus corpos sejam queimados, torturados, crucificados e enterrados, um corpo de glória, completamente incorruptível, os espera. Jesus foi o primogênito na ressurreição, e todos aqueles que creem terão o mesmo fim. Essa é a esperança da nossa salvação.

Onde está, ó morte, o teu aguilhão? Onde está, ó inferno, a tua vitória?

 (1 Coríntios 15:55)

Porque, se cremos que Jesus morreu e ressuscitou, assim também aos que em Jesus dormem, Deus os tornará a trazer com ele.

(1 Tessalonicenses 4:14)

 

Esse aspecto escatológico da ressurreição é maravilhoso e fundamental para o fortalecimento de nossa fé e espera. Todavia, viver uma vida ressurreta é tão importante quanto. Eugene Peterson em seu livro “Vivendo a ressurreição[3]” nos apresenta esse importante detalhe a respeito da ressurreição dos mortos. Participar da mesa, saboreando a comida, viver o shabbat, trabalhando e descansando, são realidades de quem experimentou Jesus e sua ressurreição.  

Estamos aqui para dar testemunho sobre a fonte da vida, para falar como ela se desenvolve e como fazemos para ingressar nela. E protestaremos quando observarmos que nossa linguagem e forma de perceber a vida estão se desligando do Deus vivo, entrando num processo de degeneração ou desintegração que as transforma em conversa sobre Deus, em conversa sem vida. [...] Participamos da vida e é dela que testemunhamos, mas estamos cercados pela morte, que nos ameaça.

(Eugene Peterson)

Conclusão

A páscoa revela o coração de Deus ao mundo. A ordem do Senhor ao povo de Israel de observar a Páscoa como memorial perpétuo demonstra seu desejo de garantir que seu povo continue a contar sua história de redenção às gerações futuras. Atualmente, Deus está usando a igreja composta de seguidores judeus e gentios de Jesus, “um novo homem” (Ef 2:15), para contar essa mesma história. (Cathy Wilson[4])

Sou cristã de tradição evangélica, não seguimos um calendário litúrgico, nem temos muitos símbolos físicos para nos fazer lembrar de nossa fé. Todavia, a história da Igreja, com sua diversidade de tradições nos dá meios criativos para cumprirmos Deuteronômio 6:7. Celebrar é fazer memória, é ensinar para si mesmo, para seus filhos e netos. Por mais que o secularismo e o mercado tentem nos fazer perder o foco, é necessário contar histórias, e reconta-las todos os anos. Para que Cristo sempre tenha preeminência.



[1] Capítulo de Robert Walter – O Messias na Páscoa. / Portanto dize aos filhos de Israel: Eu sou o Senhor, e vos tirarei de debaixo das cargas dos egípcios, e vos livrarei da servidão, e vos resgatarei com braço estendido e com grandes juízos. E eu vos tomarei por meu povo, e serei vosso Deus; e sabereis que eu sou o Senhor vosso Deus, que vos tiro de debaixo das cargas dos egípcios; (Êxodo 6:6,7)

[2] Disponível pela editora Impacto publicações.

[3] Disponível pela editora Mundo Cristão.

[4] O Messias na Páscoa – Darrell L. Bock e Mitch Glaser