O
lamento não só é um ato de autoexpressão ou de exorcizar a dor: ele nos forma e
cura. Os Salmos expressam cada emoção humana, mas, recitados vez após outra,
nunca nos deixam simplesmente como estávamos. Eles são um remédio forte. Eles
nos mudam. A transformação efetuada não é converter nossa tristeza em
felicidade; eles não pegam pessoas tristes e lhes tornam irritantemente
sorridentes e otimistas. […] Pelo contrário, eles firmam nossa visão no amor de
Deus por nós e nos ensinam a localizar a nossa dor e anseio no drama eterno de
Deus. Eles nos formam para ser um povo que pode manter as profundezas de nossa
dor com total sinceridade, ao mesmo tempo em que nos mantemos firmes nas
promessas de Deus.
(Tish
Warren – Oração da noite)
Quando
falamos sobre lamento e tristeza é um tópico que muitas vezes evitamos, pois
contraria a cultura na qual estamos inseridos. Uma cultura que prega a
felicidade em todos os momentos e o prazer a cima de tudo. Quando nos deparamos
com as Escrituras e a narrativa bíblica, percebemos que o lamento e a tristeza
fazem parte das orações dos santos. O choro e a dor fazem parte do Deus ao qual
adoramos e dizemos conhecer. Ele é um Deus que sofre desde que a humanidade
caiu e o pecado entrou em nossa história. Há pelo menos duas razões pelas quais
o lamento e a tristeza são importantes na vida cristã, a primeira é que por
meio deles conhecemos a Deus de forma completa, a segunda é que mais do caráter
de Cristo é formado em nós.
Richard
Foster escreveu: “Hoje o coração de Deus é uma ferida aberta de amor”. Deus
sofre pelos povos e pessoas que não o conhecem, pelos filhos que viraram as
costas para a comunhão e a mesa. O Eterno é aquele que entregou parte de si
para ser rasgado e moído por nossas transgressões e pecados, mas a cima de tudo
glorificar Seu próprio nome cumprindo Seu plano eterno de tabernacular em
perfeita união com a humanidade. Ele é o Deus, o qual possui aflições que ainda
precisam ser vividas e partilhadas por seus amigos. Ser amigo de Jesus e estar
em plena comunhão com Ele, partilhar de suas aflições e dores[1].
As diversas formas
de Lamento
A
nossa vida ordinária[2] é
uma constatação do quão real é a narrativa bíblica, podemos enxergar a mesma
mistura de emoções e sentimentos experimentados pelos personagens bíblicos nas
diversas estações de suas vidas. Temos o exemplo de Davi, no Salmo 51 que
lamenta por seu pecado e sua infidelidade ao Senhor. Temos o lamento e
desespero de Ana por não ter filhos, em I Samuel 1, transformados em oração e
súplica. Jó lamentou e chorou a intensa dor de muitas perdas de uma só vez. Vemos
o lamento de Daniel em oração por Israel, que experimentava o amargor do
exílio. No livro de Esdras vamos observar a mistura de choro com gritos de
alegria, quando o templo é reconstruído.
Em
Lucas 15 o pai lamenta pelo filho mais novo que o desprezou e saiu de casa.
Jesus chora e lamenta ao olhar Jerusalém, por saber que seu povo não reconheceu
que Ele era o Messias. Os judeus e cristãos lamentaram a perseguição e
martírio. Vemos Paulo, mesmo em meio a lágrimas e sofrimento, se alegrando em
suas prisões e suplícios. Ao abrirmos o livro de Salmos vamos perceber que esse
livro tão antigo de orações e louvores, fizeram parte das orações e lamentos do
povo de Deus no decorrer dos séculos – Antigo e Novo Testamento, Igreja ao
longo dos séculos. Em muitos casos o lamento e a tristeza foram tamanhas que o
autor se sente esquecido pelo próprio Deus (Salmo 13).
A
igreja Afegã, Sudanesa, Norte Coreana, Chinesa e de diversas nacionalidades
sofrem pela perseguição e o martírio. Sofremos pelas crianças e adolescentes
explorados de diversas maneiras. Sofremos por causa de governos corruptos e
lideranças não servidoras. Sofremos ao ver trabalhadores que tem suas
aposentadorias roubadas, pelo agricultor que não conhece bem seus direitos e
não sabe como reivindica-los. Sofremos pelos nosso amados que morrem. Sofremos
por nossos próprios pecados, e nossa incapacidade de nos livrar deles. Sofremos
pelas marcas que a queda deixou na bonita criação de Deus. E como nossos irmãos
e irmãs faziam, precisamos aprender a lamentar de forma correta. Precisamos
aprender a transformar o lamento em oração e canto.
O Lamento como Luto
Tish
Warren em seu livro “Orações da noite”[3]
expressa bem o porquê temos dificuldade com o Luto e a dor da perda, ela nos
lembra dos processos que o luto exige e de como somos resistentes a eles.
O nosso problema é
com o sentimento de tristeza. Vamos fazer praticamente qualquer coisa para
evitá-lo. E se precisamos nos sentir tristes, ao menos queremos que nossa
tristeza acabe quando já estamos fartos dela. Nós queremos que o luto seja
apenas mais uma tarefa na nossa lista; o temporizador da alma vai tocar e
poderemos ir para a próxima tarefa. Mas não é assim que o luto funciona. Nós o
controlamos tanto quanto controlamos o clima. Não é simplesmente uma atividade
intelectual, um reconhecimento cognitivo da perda. Sentir tristeza é o custo de
ser vivo emocionalmente. Na verdade, é o custo até da santidade. Os cristãos
precisam se permitir ser um povo que lamenta. Faz parte do pacote. […], a não
ser que concedamos certo espaço para o luto, não poderemos conhecer as
profundezas do amor de Deus, o Deus que cura e retorce a dor, a forma que o
luto traz sabedoria, conforto, e até alegria. […] Se não dermos espaço para o
luto, ele não irá simplesmente desaparecer. O luto é teimoso. Ele dará um jeito
de ser ouvido ou morreremos tentando silenciá-lo. Se não o encararmos
diretamente, ele nos comerá pelos cantos, de modos que não são sempre fáceis de
reconhecer como luto: explosões de raiva, ansiedade fora do controle, vazio
compulsivo, amargura regurgitante e vícios sem fim. O luto é um fantasma que não
pode descansar até que seu propósito seja cumprido.
É
fato que não fomos projetados para a morte e consequentemente nunca estaremos
preparados para lidar com ela. Jesus foi o único ser humano que venceu a morte
e a exterminará por completo na consumação dos séculos! Todavia, não podemos
ignorá-la enquanto estamos aqui; precisamos viver as dores e processos que a
morte tem causado em nossas vidas.
Os Salmos – as
orações e cantos dos santos de todas as Eras
João Calvino chamou
os Salmos de “a anatomia de todas as partes da alma”. Ele disse que não há
emoção humana que “qualquer um encontre em si cuja imagem não seja refletida
neste espelho. Todos os lutos, tristezas, medos, enganos, esperanças, cuidados,
ansiedade, em suma, todas as emoções perturbadoras com as quais as mentes dos
homens acabam se agitando, o Espírito Santo retratou com exatidão aqui. Os
Salmos são dramáticos. E a vida — mesmo a vida ordinária — é dramática,
encharcada de significado, cheia de gloriosa beleza e profunda dor. (Tish
Warren)
Vejamos
um exemplo na prática de como os salmos nos ensinam a lamentar de forma
correta:
Até quando te
esquecerás de mim, SENHOR? Para sempre? Até quando esconderás de mim o teu
rosto? Até quando consultarei com a minha alma, tendo tristeza no meu coração
cada dia? Até quando se exaltará sobre mim o meu inimigo?
(Salmo 13:1-2)
Quem
nunca se sentiu assim? A dor e o sofrimento, em alguns dias, parecem não ter
fim. Esses momentos tentam nos fazer esquecer de que nossa vida já esteve
repleta de alegria e paz. E o ensino do salmista é o clamor ao Senhor por
iluminação e graça:
Atende-me, ouve-me,
ó Senhor meu Deus; ilumina os meus olhos para que eu não adormeça na morte;
Para que o meu inimigo não diga: Prevaleci contra ele; e os meus adversários
não se alegrem, vindo eu a vacilar.
(Salmo 13:3-4)
Ele finaliza o salmo com palavras de adoração
e confiança no caráter imutável de Deus. Talvez sejam assustadores os versos
finais, mas, sua reação à dor e ao sofrimento é a composição de cânticos, um
novo cântico para a estação do lamento. A Mesmo em meio a dor e ao luto, o salmista
vê a bondade de Deus.
Mas eu confio na
tua benignidade; na tua salvação se alegrará o meu coração. Cantarei ao Senhor,
porquanto me tem feito muito bem.
(Salmo 13:5-6)
Agostinho
via os Salmos como “a forma de Deus remodelar nossos desejos e percepções para
que aprendêssemos a lamentar as coisas certas e nos regozijar com as coisas
certas.” O que precisamos entender é que nossas emoções são boas, elas foram
criadas por Deus para a Sua glória. Todavia, o que acontece em diversos
momentos, é que nossas emoções tomam a direção errada – egocentrismo. Temos o
habito de fazer tudo girar em torno de nós mesmos, e como podemos ver o
problema não são nossas emoções, mas nosso coração. É exatamente nesse ponto
que os Salmos remodelam nossos desejos e percepções. Eles nos ensinam a olhar
para a pessoa certa, Deus!
O lamento é uma
expressão de tristeza. Aprender a lamentar é aprender a chorar. Mas é mais do
que isso. Nos salmos de lamento, o salmista cobra as promessas de Deus para o
próprio Deus. […] É melhor vir a Deus com palavras duras do que continuar longe
dele, nunca verbalizando nossas dúvidas e frustrações. Melhor se irritar com o
Criador do que fumegar em devoções polidas. Deus não repreendeu o salmista. Ao
longo dos Salmos, ele nos incentiva a falar com ele sem filtros. Contudo, para
deixar as coisas mais difíceis, a maior parte de nós não só vive numa cultura
que se inoculou contra o lamento, como também vive numa cultura em que é fácil
presumir que sabemos mais do que Deus.
(Tish Warren)
Conclusão
O
lamento é um forma de participarmos do coração de Jesus, como Tomé. Talvez
nossa reação ao olharmos para a atitude de Tomé é julgá-lo como incrédulo, mas
esquecemos de olhar qual foi a resposta de Jesus deu a esse discípulo: “Toque e
creia!”. Talvez teremos passar por situações de dor e lamento, para que como Jó
contemplemos: “Antes eu te conhecia de ouvir falar, mas agora os meus olhos de
veem”[4]. A
glória de todo o sofrimento e dor é ter olhos para ver Aquele que está
assentado no trono, é de que o lamento não é para sempre, pois um dia todas as
nossas lágrimas serão enxugadas[5].
Nós não teremos lágrimas para lamentar na Nova Jerusalém, por isso, louvado
seja o Senhor pelo privilégio de derramarmos nossas lágrimas aqui e ver tudo
cooperando para nosso bem.
A
pintura “A bird’s simple song” de Geinene Carson[6] –
exposta nessa postagem – é a representação de um canário, o pássaro que é capaz
de compor novos sons (uma nova canção) em diferentes estações do ano. É uma
analogia preciosa de como os Salmos podem nos ensinar a cantar novos cânticos ao
nosso Deus, nas diferentes estações da nossa vida. Existe uma canção para ser
cantada em meio às prisões[7],
dores, lutos e dessabores. A Bíblia nos convida a cultivarmos uma comunidade
que aprendeu a lamentar!
[1]
Colossenses 1:24: Regozijo-me agora no
que padeço por vós, e na minha carne cumpro o resto das aflições de Cristo,
pelo seu corpo, que é a igreja;
[2]
Entenda ordinária, como cotidiana, rotineira.
[3]
Você pode comprar em: https://www.amazon.com.br/Ora%C3%A7%C3%A3o-noite-Tish-Warren/dp/6556891983
[4] Jó
42:5
[5]
Apocalipse 21:4
[6] Contrary
to what one might think, a bird’s song is anything but simple; hence, the touch
of sarcasm in the title. In the midst of my research on neuro-genesis, I came
across a most interesting scientific discovery of the songbird’s brain,
specifically the canary, which has been proven to possess the unique ability to
regenerate neural pathways when learning new seasonal songs. If even birds were
created with this amazing ability, what about us? Can we not also learn new
songs for new seasons? / Ao contrário do que se possa pensar, o canto de um
pássaro não é nada simples; daí o toque de sarcasmo no título. No meio da minha
pesquisa sobre neurogénese, deparei-me com uma descoberta científica muito
interessante do cérebro dos pássaros canoros, especificamente do canário, que
demonstrou possuir a capacidade única de regenerar vias neurais ao aprender
novas canções sazonais. Se até os pássaros foram criados com essa habilidade
incrível, e nós? Não podemos também aprender novas músicas para novas temporadas?
[7]
Paulo e Silas (Atos 16:16-34)
Amém! Glória a Deus!! 🔥🎶🔥🎶🔥
ResponderExcluirA glória de todo o sofrimento e dor é ter olhos para ver Aquele que está assentado no trono, é de que o lamento não é para sempre, pois um dia todas as nossas lágrimas serão enxugadas[5]. Nós não teremos lágrimas para lamentar na Nova Jerusalém, por isso, louvado seja o Senhor pelo privilégio de derramarmos nossas lágrimas aqui e ver tudo cooperando para nosso bem. Aleluiaaaaaaaa!!!
ResponderExcluirA glória de todo o sofrimento e dor é ter olhos para ver Aquele que está assentado no trono, é de que o lamento não é para sempre, pois um dia todas as nossas lágrimas serão enxugadas[5]. Nós não teremos lágrimas para lamentar na Nova Jerusalém, por isso, louvado seja o Senhor pelo privilégio de derramarmos nossas lágrimas aqui e ver tudo cooperando para nosso bem.
ResponderExcluir