Vem Jesus, vem Jesus, Marata, ora vem Senhor Jesus!
(Ministério Aviva)
A história da escatologia, em especial no Brasil, sofreu uma forte influência de escritos fictícios que se aliaram ao medo causado por alguns aspectos da teologia pré milenista histórica. O resulto disso foi um abraçar, quase completo, do dispensacionalismo, doutrina que surgiu durante o século XIX no Reino Unido. Essa doutrina foi adotada em especial, pelas igrejas pentecostais e neopentecostais no Brasil, como também várias denominações de outros países.
A palavra dispensação vem do grego iokonomia, administração ou economia. Essa linha de entendimento e interpretação escatológica divide a história de Deus na história do homem em dispensações[1]; todavia a parte do ensino mais propagado através dessa doutrina foi a existência de um arrebatamento secreto. Ou seja, Jesus viria de “surpresa” (antes do início da Grande Tribulação) e nas nuvens após a Grande Tribulação, onde “todo olho o verá”.
Quatro motivos que me fazem desacreditar no arrebatamento secreto pré tribulacionista
Inicialmente a doutrina foi elaborada por John Nelson Darby, fundamentada nas visões da adolescente Margaret MacDonald[4]. O dispensacionalismo é o fundamento teológico da série fictícia “Deixados para trás”, que vendeu mais de cinquenta milhões de exemplares de livros e foi transposta para vários tipos de mídia, incluindo uma série de três filmes. Portanto leitores, a doutrina de um arrebatamento secreto pré-tribulacional nunca existiu antes de 1830.
Dave MacPherson escreveu sobre o tema do arrebatamento secreto o seguinte relato: “Temos visto que uma jovem escocesa chamada Margaret Macdonald teve uma revelação particular em Port Glasgow, Escócia, no começo de 1830, de que um grupo seleto de cristãos seria capturado para encontrar Cristo nos ares, antes dos dias do Anticristo. Uma testemunha ocular, Robert Norton M.D., preservou o relato escrito a mão por ela da sua revelação de um arrebatamento pré-tribulacional em dois de seus livros, e disse que foi a primeira vez que alguém dividiu a segunda vinda em duas partes ou estágios distintos.” Segundo o mesmo autor, os escritos dessa nova doutrina, entre outros escritos da Igreja Católica Apostólica ficaram escondidos por várias décadas.
John Nelson Darby, irlandês, líder do movimento Irmãos e “Pai do dispensacionalismo moderno”, tomou os ensinos de Margaret, fez algumas mudanças[5] e incorporou-o em seu entendimento dispensacionalista das escrituras. A divulgação e propagação dessa doutrina deu-se por meio de uma bíblia comentada por Cyrus Ingerson Scofield[6] (1843- 1921). Concomitantemente os eventos, palestras e seminários abertos nessa linha propagaram ainda mais a “nova doutrina”.
2) NÃO TEM FUNDAMENTAÇÃO BÍBLICA
Primeira consideração importante, o método hermenêutico da doutrina do arrebatamento secreto não segue o método de interpretação judaico das escrituras – a Midrash – que utiliza o sentido simples e literal do que está escrito. Ou seja, lendo os textos que fazem referencia a um tipo de arrebatamento o leitor nunca chegaria a conclusão da existência de dois (um secreto e outro visível). O autor Hal Lindsey, defensor do pré-tribulacionismo[7], admite que sua crença não baseia-se no sentido simples e literal das escrituras. Ele afirma que nenhuma texto Bíblico consegue mostrar com clareza que haverá um arrebatamento secreto e antes da tribulação. Vejamos alguns textos muito usados para basear essa teoria:
Dizemos a vocês, pela palavra do Senhor: nós, os que ainda estivermos vivos quando o Senhor voltar, não iremos ao encontro dele antes daqueles que já morreram. Pois o Senhor mesmo descerá do céu com um brado de comando, com a voz do arcanjo e com o toque da trombeta de Deus. Primeiro os mortos em Cristo ressuscitarão. Depois, com eles, nós, os que ainda estivermos vivos, seremos ARREBATADOS nas nuvens ao encontro do Senhor nos ares.
(I Tessalonicenses 4:15-17)
Nesse texto percebemos que o arrebatamento será nos ares, nos encontraremos com Cristo. Eles estará vindo e nos encontraremos com Ele, primeiro os que morreram em Cristo, depois nós, os que estivermos vivos quando esse momento acontecer. Ao final do versículo 16, vemos que será ao toque da trombeta, se olharmos em Apocalipse 11:15-19 e 19:11-21, a trombeta que Paulo está se referindo é a sétima, descrita por João. É ao final da Grande Tribulação, quando Jesus desce do céu nas nuvens. Outro texto usado para afirmar uma vinda secreta de Jesus é a continuação desse mesmo texto de Tessalonicenses:
Não é necessário, irmãos, que eu lhes escreva sobre quando e como tudo isso acontecerá, pois vocês sabem muito bem que o dia do Senhor virá inesperadamente, como ladrão à noite. [...] Mas vocês, irmãos, NÃO ESTÃO NA ESCURIDÃO A RESPEITO DESSAS COISAS e não devem se surpreender quando o dia do Senhor vier como ladrão. Porque todos vocês são filhos da luz. Não pertencemos à escuridão e à noite. Portanto, fiquem atentos; não durmam como os outros. Permaneçam atentos e sejam sóbrios.
(I Tessalonicenses 5:1-6)
A perícope do texto inicia no capítulo 4, se formos olhar o contexto do texto, Paulo continua falando sobre o que ele começou anteriormente, o Dia do Senhor, que trará consigo a ressurreição dos mortos e o retorno de Jesus nas nuvens. O Dia do Senhor virá como ladrão para aqueles que não são Igreja, para aqueles que não estão na luz.
Outro texto bastante usado para apresentar e fundamentar a doutrina do arrebatamento secreto é parte do discurso de Jesus sobre o fim dos tempos:
Contudo, ninguém sabe o dia nem a hora em que essas coisas acontecerão, nem mesmo os anjos no céu, nem o Filho. Somente o Pai sabe. Quando o Filho do Homem voltar, será como no tempo de Noé. Nos dias antes do dilúvio, o povo seguia sua rotina de banquetes, festas e casamentos, até o dia em que Noé entrou na arca. Não perceberam o que estava para acontecer até que veio o dilúvio e levou todos. Assim será na vinda do Filho do Homem. Dois homens estarão trabalhando juntos no campo; um será levado, e o outro, deixado. [...]
(Mateus 24:36-40)
Jesus termina seu discurso sobre os acontecimentos do Dia do Senhor no v. 31, e então entre duas parábolas ele insere a referencia dos dias de Noé para mostrar como serão difíceis os dias da Grande Tribulação. E se observarmos o contexto do texto os que foram levados não tem uma conotação positiva, mas negativa, como foi no dilúvio. Quem foi deixado foi quem sobreviveu, quem foi levado pelo dilúvio pereceu. Portanto, quando usamos o princípio básico de interpretação, considerar o contexto do texto, percebemos que em nenhum momento há menção de um arrebatamento secreto na fala de Jesus.
3) UMA DOUTRINA DE PAZ E SEGURANÇA QUE NÃO CONDIZ COM A HISTÓRIA DA IGREJA
O martírio sempre fez parte da história da Igreja, e Deus sempre foi glorificado através desse processo. As escrituras afirmam que o tempo de Grande Tribulação será um tempo que nunca houve outro antes, os dias serão abreviados (3 anos e meio) para que haja sobreviventes. O Martírio é o que Tertuliano afirmou: “O sangue dos mártires é a semente da igreja”; O que os irmãos morávios confirmaram através de seu testemunho: Que o cordeiro recebe a recompensa de seu sofrimento. Existem sofrimentos pelo Cristo que o apóstolo Paulo participou e que Pedro diz que podemos ser participantes:
Agora que alegro nos meus sofrimentos por vós e completo no meu corpo o que resta das aflições de Cristo, em benefício do seu Corpo, que é a Igreja.
(Colossenses 1:24)
Amados, não se surpreendam com as provações de fogo ardente pelas quais estão passando, como se algo estranho lhes estivesse acontecendo. Pelo contrário, alegrem-se muito, pois essas provações os tornam participantes dos sofrimentos de Cristo, a fim de que tenham a maravilhosa alegria de ver sua glória quando ela for revelada.
(I Pedro 4:12-13)
Não estou afirmando que todos nós seremos mortos por amor a Jesus, mas precisamos desenvolver em nosso coração o espírito do martírio. Viver Cristo e ter a morte como lucro. Uma vida de entrega total, o derramar de tudo que temos de mais precioso aos pés do mestre. A Igreja do fim dos tempos estará preparada com o espírito de martírio desenvolvido em amor intenso ao Senhor. Nosso irmão Dalton Tomas traz com muita profundidade o exemplo de martírio de Maria de Betânia:
Amigos, eu pergunto a vocês: a herança de vocês em Cristo é maior do que tudo o que vocês têm na terra? Oh, pela graça de amá-lo com tamanho abandono! Você derramará aos pés dEle o que você tem de mais precioso? Você dará a si mesmo por completo a Ele e não se importar quando o mundo lhe escarnecer: “Vejam como ele está jogando fora a sua vida”, ou “Que desperdício de tempo e energia”. Que persistamos em meio à vergonha terrena e deixemos tudo por uma maior herança celestial.
[...]
Embora ela nunca tenha dado um testemunho de mártir em sua morte (pelo menos é o que sabemos), Maria de Betânia exemplifica o espírito de martírio de forma mais clara do que qualquer um no Novo Testamento (é por isso que Jesus mandou que os seus discípulos contassem a história dela a todos os povos e nações a onde eles fossem enviados). A fragrância da devoção dela profetizou o sacrifício daqueles futuros mártires presentes na sala naquela noite. Por meio daqueles jovens rapazes, “o aroma de Cristo” seria difundido entre as nações nas quais mais tarde eles sangrariam.
Os discípulos nunca se esqueceriam do aroma daquele perfume. A memória de sua fragrância e a devoção que ela representava permaneceu com eles até o dia em que eles derramaram as suas próprias veias na mesma paixão santa que tomou conta dessa preciosa mulher de Betânia. Maria derramou seu óleo. Os discípulos derramaram o seu sangue. Aos olhos do Senhor, ambas as ofertas eram belas, não simplesmente porque elas eram custosas, mas porque elas eram motivadas pelo amor. Esse é o verdadeiro espírito do martírio.
Esse será o espírito da Igreja do fim dos tempos, não temeremos a morte, porque vida e morte fazem parte de uma mesma realidade. Deus é glorificado e mais vidas são acrescentadas ao Corpo de Cristo.
4) DESCONSIDERAÇÃO DA LEI E DOS PROFETAS[8]
Segundo Darby a “idade da Lei” havia acabado na cruz e que a “idade da Graça” e consequente a igreja tinha começado na cruz. E com a Grande Tribulação, segundo ele, a idade da graça termina e volta a idade da lei. Aqui surgiu um problema para a teologia de Darby, como a lei voltaria se a igreja continuaria na terra durante a Grande Tribulação, é onde ele supõe que toda a igreja será retirada da terra e só ficarão os judeus. Outro ponto controverso seria os judeus crentes: eles seriam arrebatados com a igreja ou ficariam com os outros durante a Grande Tribulação? Darby, então, apresenta uma suposta solução: a dicotomia entre Israel/Igreja. Esta teoria ensinava que um judeu que se tornava crente no Messias passava a fazer parte da Igreja e não era mais parte de Israel. Como resultado disto, ninguém poderia ser parte tanto da Igreja quanto de Israel. Segundo esta teoria, judeus crentes deixariam de ser judeus e se tornariam parte da Igreja de Deus, que ele ensinava conter pessoas que não eram nem judeus nem gentios.
Meu objetivo aqui não é trazer convencimento, mas uma atenção maior ao checar os textos bíblicos e analisar se nosso coração está mais ligado ao que aprendemos por tanto tempo ou àquilo que o texto está realmente dizendo. No seminário, onde tive minha primeira formação teológica, fui ensinada na linha dispensacionalista. Durante esse período de pandemia e isolamento social tenho dedicado meu tempo no estudo das escrituras e pude perceber que aquilo que Deus me revelou aos dez anos de idade, lendo Apocalipse e outros textos escatológicos, é que a Igreja estará presente durante a Grande Tribulação. Estaremos junto com as duas testemunhas, em Jerusalém, pregando que o Rei está voltando. Que nesses dias nosso coração venha se encher de amor pelo Cristo.
Maranata
[1] Normalmente são sete: Inocência / Consciência / Governo Humano / Promessa / Lei / Graça / Reino. Há outras formas mais reduzidas dessa divisão, como também algumas variações nessas divisões.
[2] Essa doutrina nunca foi ensinada pelos pais da Igreja e muito menos pela tradição judaica que acompanhavam os apóstolos do primeiro século.
[3] Informações retiradas do PDF de Eliezer Lucena de Castro.
[4] Profeta de uma seita católica chamada Irvingita. Os irvingitas são os seguidores de um famoso pregador de Londres, Edward Irvig. A nova denominação Igreja Católica Apostólica não foi fundada por ele, mas certamente recebeu sua influência.
[5] Margaret afirmava que apenas parte dos crentes participariam do arrebatamento secreto, Nelson cria que todos salvos seriam arrebatados.
[6] C. I. Scofield publicou sua Bíblia de Referência Scofield em 1909.
[7] Pré-Tribulacionista: Crê no arrebatamento (parcial ou total da Igreja) antes da Grande Tribulação; Pós-Tribulacionista: Crê no arrebatamento ao final da Grande Tribulação. As duas linhas são consideradas Pré Milenistas, a primeira dispensacionalista e a segunda Histórica.
[8] Considerações do Dr. James S. Trimm – um judeu messiânico.
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