quarta-feira, 2 de março de 2022

Tempo de silêncio


No silêncio, na calmaria que antecede a dor
No escuro, na pausa entre a chuva e o primeiro trovão
Seja minha canção
Estrofe, ponte e refrão

(Os Arrais)


Esse mês de fevereiro comecei a aprender o francês por meio de um método pouco convencional, não muito popular entre as escolas de idiomas, método Greg Thompson. A primeira vez que tive contato com esse estilo de aprendizado de língua foi durante meu treinamento na missão ALEM, em linguística e missiologia – 2018. Nesse programa o aluno passa por um processo de imersão controlada, na língua e cultura alvo. É necessário um auxiliar linguístico, falante nativo e um facilitador que faz a mediação no aprendizado. O processo é o mais natural possível, como um bebê que acabou de nascer – ouve para depois falar, e só depois adquire as outras habilidades da língua (ler e escrever).

Nas duas primeiras semanas de curso os alunos apenas ouvem e apontam. Parece estranho, por estarmos acostumados a ouvir e a repetir, mas o processo aqui é justamente te fazer calar para escutar bem a pronúncia. Ficar em silêncio para ouvir com clareza o que o falante está pronunciando. É agoniante para quem já acha que sabe. É agoniante para quem está acostumado com falar, repetir e falar. Mas, é um excelente método para treinar os ouvidos e a atenção de quem aprende.

Tenho estudado francês há pouco mais de um ano, aprendendo com professores Online e outros métodos tradicionais. Com um pouquinho do básico achei que poderia seguir para outro nível, mas ao chegar aqui no Senegal meu chefe falou: “Temos turma começando apenas do zero. Aproveite a oportunidade para revisar e aperfeiçoar sua pronúncia!”.  E logo no primeiro dia de aula, Deus falou claramente: “É tempo de ficar em silêncio e ouvir!”. É tempo de afinar os ouvidos.

O habito de ouvir a voz de Deus é difícil de se adquirir, e fácil de se perder. O ativismo e as demandas que temos com aquilo que consideremos prioridade em nossa rotina, costuma engolir por completo o tempo que gastaríamos praticando a presença de Deus. Isso é tão visível em nossas orações e devocional diário, mais falamos que ouvimos; mais pedimos que contemplamos (o Cristo das escrituras). E meu aprendizado desse mês foi sobre retornar ao silêncio.

 

O poder da voz de Deus



A voz do Senhor ecoa sobre o mar, o Deus da glória troveja; sobre o imenso mar, o Senhor fala.
A voz do Senhor é poderosa, a voz do Senhor é majestosa.
A voz do Senhor quebra os grandes cedros, o Senhor despedaça os cedros do Líbano.
Faz os montes do Líbano saltarem como bezerros, faz o monte Hermom pular como novilhos selvagens.
A voz do Senhor risca o céu com relâmpagos.
A voz do Senhor sacode o deserto, o Senhor faz tremer o deserto de Cades.
A voz do Senhor torce os fortes carvalhos e arranca as folhas dos bosques; em seu templo todos proclamam: "Glória!".

                                                                                                                                            (Salmos 29:3-9)

 

O salmista ilustra o poder da voz de Deus por meio da natureza. Os cedros, os montes, o céu, o deserto e os carvalhos. Esses tipo de árvores, como também os montes e o deserto, citados pelo autor são típicos da região do Oriente Médio. Essa vegetação está até hoje localizada nas regiões da Líbia, Síria e Iraque. Nações poderosas e imponentes no período bíblico. Em muitas ocasiões essas nações dominaram sobre Israel, tanto econômica como socialmente. Portanto, podemos perceber que o salmista usa uma espécie de metonímia[1] para dizer que todas essas nações poderosas, imponentes e orgulhosas como a floresta de Cedros (no Líbano)[2], carvalhos e montes (Hermon), se curvarão ao ouvirem a voz de Deus.

O deserto de Cades, local estratégico para o comércio internacional, muito disputado pelos povos da região do Antigo Oriente Próximo, aqui é mencionado como sendo sacodido pela voz do Senhor! Havia uma cidade designada aos levitas nessa região, dentro do território de Issacar, Cades-Barnéia (Kadesh Barnea). No hebraico a palavra Qedesh significa santificar ou dedicar. A voz de Deus mexe com as estruturas do Seu povo. A voz do Senhor “bagunça” a nossa ordem.

O salmista nos mostra que a voz do Senhor vai trazer quebrantamento para todo coração orgulhoso, a voz do Senhor vai mover e trabalhar no meio daqueles que são santos, que pertencem à Ele. A voz de Deus quebra os opressores, mas trabalha também no coração daqueles que estão sendo oprimidos.

Precisamos de tempo para ficar em silêncio. Precisamos aprender a apreciar o silêncio, não como solidão, mas como solitude; para que a voz de Deus possa quebrar as estruturas de orgulho, autossuficiência e independência que estão enraizadas em nosso ser. A voz do Senhor precisa ecoar para que a cada dia possamos nos tornar mansos e humildes de espírito, como Jesus.

Se observarmos os primeiros versículos desse salmo, e os últimos, vamos perceber que essas nações recebem uma ordem (imperativo) para adorarem ao Senhor, a reconhecerem que Ele é Deus. Ou seja, há uma alerta para que os ouvintes se quebrantem voluntariamente. Para que os povos se submetam à essa voz que é poderosa, que vai ecoar e governar perpetuamente, independente da vontade humana; e assim o salmo é finalizado.

 

Conclusão

Que possamos nos submeter voluntariamente ao silêncio, afim de ouvirmos a voz de Deus e sermos sacudidos por ela. Que a voz do Senhor possa ecoar em nossos corações e quebrar todo orgulho, toda autossuficiência e justiça própria.

 



[1] Figura de linguagem que usa uma parte para se referir ao todo. Nesse caso a vegetação de um país (região) para se referir ao próprio país.

[2] Os Cedros dessa região podem atingir até 30 metros, e são conhecidos por sua longevidade.

4 comentários: