Uma das coisas que mais
me impactou quando andei, pela primeira vez, pelas prateleiras dos
supermercados em Senegal foi ver a quantidade de clareadores de pele à venda.
Até então, tinha me deparado apenas com os produtos nas prateleiras, mas haviam
outdoors espalhados pela cidade, recomendando os clareadores de pele como meio
de se tornar belo. Quanto mais clara sua pele, mais bonito você será.
Já havia percebido no
comentário de muitas mulheres guineenses, ao elogiarem a minha pele, esse
equívoco a respeito da beleza. Achava que a herética teologia da “maldição de
Cã” havia sido superada até me deparar com uma questão feita por um dos meus
alunos de Princípios de hermenêutica bíblica, em meu primeiro ano de campo
transcultural: “Mayara, porque a África foi amaldiçoada? Estamos pagando por
alguma coisa?”. Na hora meu sangue ferveu de raiva[1]!
Mas, eu simplesmente respondi que aquilo era um equívoco, e que ele não deveria
pensar daquela forma.
É doloroso entender que
essa maneira de pensar é resquício da colonização, e mais doloroso ainda é
saber que a igreja teve participação nisso, com seus muitos equívocos
teológicos. Que Deus tenha misericórdia de nós e nos ajude a não cometer os
mesmos erros de nossos avós.
O tema do racismo é
pauta importante entre nossos pecados a serem confessados e abandonados diante
de Deus. A Igreja de nosso Senhor Jesus Cristo é relevante quando não ignora o
sofrimento dos nossos irmãos negros, que sofreram e ainda sofrem por conta da
cor de suas peles. Assim como você se compadece pelo povo judeu que sofreu e
continua sofrendo por serem quem são, precisamos nos compadecer daqueles que
sofrem diferentes tipos de racismos.
Para essa reflexão, gostaria de usar aqui algumas partes do livro de Jacira Monteiro, uma escritora
guineense que cresceu no Brasil, e também recomendar a você a leitura desse mesmo livro. Uma obra robusta tanto em teologia quanto contexto histórico-social.
O
estigma da Cor
No livro “O estigma da
Cor” Jacira Monteiro mostra como o racismo fere os dois grande mandamentos
deixados por Cristo[2].
Nos primeiros capítulos, a autora traz reflexões a respeito da escravidão,
colonização e a chancela da igreja dada por meio de teologias equivocadas. Da
mesma forma que tivemos linhas teológicas nos séculos XV e XVI, que afirmavam
que a população negra não era “ser humano” (não possuíam alma), também tivemos
linhas teológicas no século XX que apoiavam a eugenia e o nazismo[3].
Nosso pecado como igreja perpassa gerações, e como citei na introdução desse
pequeno artigo, as consequências desses pecados está diante de nossos olhos
hoje!
No capítulo quatro, da
obra, Jacira traz a importante temática sobre a mulher negra. Ela começa
abordando a respeito dos estereótipos de feminilidade[4],
criados a partir de outra teologia equivocada, em como ele não se encaixa nas
mulheres negras que fazem dupla ou tripla jornada de trabalho. Mulheres que não são delicadas ou frágeis,
mulheres que cresceram e crescem sobrevivendo.
No capítulo cinco temos
um apelo importante para os irmãos brancos não serem como Caim’s, para não
ignorarmos a dor dos nossos irmãos que sofrem. Esse capítulo tem a maioria das
citações que grifei, muito profundo e confrontador. A autora traz o tema da
indiferença da igreja ante as estatísticas de morte, violência e restrições de
direitos impostas à população negra. Jacira expõe a ferida e nos convida a
pedirmos perdão por nossa falta de amor.
Há pelo menos duas
formas de perceber a perversidade de Caim ainda nos tempos atuais. A primeira
forma é observar o ciclo de violência que perdura ao observar as guerras e
conflitos individuais e sistemáticos. A segunda é observando a atitude
dissimulada do Caim de fugir da responsabilidade de cuidado para com seu irmão,
quando diz para Deus que não é o guarda ou protetor de seu irmão. [...] Vidas
negras importam! O grito que assusta os Caim’s, que acreditam no justo oposto
dessa máxima. [...] Vidas negras importam porque Cristo disse e não porque um
movimento social disse, e com franqueza, preciso dizer mais uma coisa, é
irracional falar que TODAS AS VIDAS IMPORTAM, em contra partida a VIDAS NEGRAS
IMPORTAM. O grito “Vidas negras importam” é para o despertamento de uma
sociedade surda e que invisibiliza pessoas negras para que entendam, valorizem
e deem dignidade às vidas negras quanto já dão às vidas brancas. (GRIFO MEU)
O capítulo seis da obra tem como temática o perdão e incentivo ao pacifismo. A autora faz
menção ao príncipe T’Challa, interpretado por Chadwick Bossema, em Pantera
Negra (meu herói preferido da Marvel)[5] e Martin Luther King Jr., como exemplo de caminhos a seguir na luta contra o racismo. No último capítulo
Jacira faz uma importante consideração a respeito das missões transculturais,
dentro do campo da missiologia. E por fim, ela traz estratégias práticas para a
igreja trabalhar a questão do racismo dentro e fora de suas mediações.
A
beleza
Comecei falando sobre
beleza e seus equívocos. Não vou desenvolver esse conceito aqui, mas apenas fazer uma pequena consideração. Quando
olhamos para o texto bíblico e suas descrições a respeito da beleza, a primeira
coisa que podemos observar é a beleza do Criador. Os salmos descrevem a beleza
de Sua santidade e caráter. Em Apocalipse podemos ver os seres que habitam a presença
de Deus contemplando a beleza daquele que está assentado no trono.
Em sua criação, Deus
fez questão de deixar Sua marca registrada, tanto em relação à beleza quando à
diversidade. E com os seres humanos não foi diferente, ele colocou dentro de
cada HD genético a capacidade de multiplicar seres diversos, belos para a Sua própria glória. Portanto, quem somos nós para chamar de feio ou inferior
aquilo que Deus criou conforme Sua própria beleza e essência?
Eu
não preciso ser branca para ter valor, ninguém que é não branco precisa. Se
Deus quisesse tudo igual, Ele não teria feito tudo diferente. Há beleza em tudo
que o Senhor fez, ao fim de sua criação Ele disse que tudo era muito bom.
Então, não ouse chamar de ruim o que o criador chama de muito bom! O negro é
lindo! A cor das pessoas negras é linda! As expressões culturais das pessoas
negras são profundamente ricas e belas. O nosso black é lindo, assim como
nossas tranças também. O nosso nariz largo é lindo, nossos lábios grossos são
lindos. As nossas individualidades, o que nos faz ser negros é lindo! Pois foi
Deus mesmo quem, a partir de sua graça criativa, fez dessa forma.
(O
estigma da Cor – Jacira Ribeiro)
Conclusão
O caminho para
vencermos o racismo como igreja é confessarmos esse pecado, assumindo nossos
pensamentos e atitudes erradas para como nossos irmãos. Confessemos também
nossa indiferença, o tempo em que ignoramos a dor do outro e fingimos que nada
estava acontecendo. O caminho do livramento é assumirmos, em todos os nossos relacionamentos, a atitude de
Jesus, considerando os outros superiores a nós (Filipenses 2:3[6]);
trazendo sempre à memória que somos parte de um mesmo corpo, e quando uma parte
do corpo sofre, todo o corpo sofre também (I Coríntios 12:26[7]).
[1] De
quem tinha produzido aquela teologia, e daqueles que a fizeram proliferar. Dos
anos de escravidão e colonização. Da injustiça! Tantos anos em que esse
continente foi roubado em suas riquezas e oportunidades de desenvolvimento,
tantos anos de roubo justificados por um teoria tão simplista e absurda! Completa
barbárie!
[2]
Mateus 22:34-40
[3]
Leia o texto: “Hegel, a teologia liberal alemã e os regimes totalitários”. Você
pode encontra-lo aqui nesse Blog, acessando a página principal.
[4]
Esse é um tema importante dentro da temática “Mulher”, independentemente da cor
da pele.
[5]
Olha que a autora que vos fala nem é fã de filmes assim.
[6] Nada
façais por contenda ou por vanglória, mas por humildade; cada um considere os
outros superiores a si mesmo.
[7] De
maneira que, se um membro padece, todos os membros padecem com ele; e, se um
membro é honrado, todos os membros se regozijam com ele.
Amém!!! Glória a Deus!! 🔥🔥🔥❤️
ResponderExcluirQue seja assim! Amém!
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