sábado, 28 de setembro de 2024

A Trindade


“Na doutrina da Trindade” escreveu Bavinck,
“bate o coração de toda a revelação de Deus
para a redenção da humanidade”.
(Michael Horton)



Pericorese é um termo que os teólogos, dos primeiros séculos da era cristã, utilizavam para se referir ao relacionamento eterno da Trindade. É uma palavra grega que significa interpenetração ou habitação mútua, alguns poetas a chamavam de dança divina, pelo fato do significado carregar uma espécie de movimento. A habitação mútua exaustiva das pessoas da Trindade, o mistério do Pai estar no Filho que é eternamente simultâneo à habitação do Filho no Pai, e a habitação mútua desses no Espírito (Leithart, 2018).

Esse mistério da Trindade é, como Bavinck afirmou, o coração de toda a revelação de Deus. E como sabemos, o conhecimento de Deus é vital para a vida de qualquer cristão. Jesus disse isso de forma bem clara, a vida Eterna é conhecer o Deus trino, o único e verdadeiro Deus[1]. A vida cristã é perseverar em conhecer a Deus, pois quanto mais o conheço, mais conhecemos a nós mesmo e os outros. Consegue perceber aqui, o mesmo movimento da Pericorese?

A questão é, como a doutrina da Trindade pode transformar-se em realidade pericorética no meu cotidiano? Como perceber a importância dessa doutrina, sendo que a maior parte dos sermões que são pregados em nossas igrejas não falam sobre o assunto? Creio que um bom começo seria o caminho trilhado por Peter J. Leithart, em seu livro “Vestígios da Trindade”[2].

 

A Trindade em nosso ordinário

Leithart nos leva a observar os detalhes mais corriqueiros e ordinários da vida humana, afim de nos despertar para a realidade trinitária contida em cada um deles. A mãe e seu filho no ventre; a relação entre você, seus amigos, inimigos, família, pessoas que estão em seus pensamentos, sonhos e até mesmo planos; passado, presente e futuro; palavras, conceitos e linguagem, são alguns dos muitos exemplos de coabitação mútua que fazem parte do nosso cotidiano.

Sou diferente das coisas ao meu redor, mas também estou inseparavelmente interligado a elas. O mundo não é só fora; é também dentro. Não estou apenas fora do resto do mundo; estou nele. Minha conexão com o mundo é um nó celta. Dentro e fora formam uma fita de Möbius que dobra-se em si mesma. [...] Habitamos o mundo. Porque temos corpos e somos corpos, ocupamos espaço no mundo. Trombamos nas coisas, repousamos os cotovelos na mesa, digitamos no teclado com nossos dedos. O mundo nos bate de volta, nos toca de volta, e nossa vida toma forma da dança por vezes canhestra entre eu e meu ambiente. (Leithart, p.16-17)

 Parecem detalhes óbvios, mas são vestígios do Deus Criador em toda a sua criação. Deus fez questão de deixar sua assinatura impressa em cada detalhe de nosso ser e do mundo que nos rodeia. É possível pensar em algumas razões as quais levaram o Eterno, nos criar de maneira tão bela e tão conectada à Ele. A primeira delas é para que não tenhamos desculpas diante Dele, no grande de terrível Dia do Senhor. Como também para deixar claro uma das necessidades mais básicas do “ser humano”, interdependência. Nascidos para habitar mutuamente e depender uns dos outros, desde a mais tenra idade. Fomos criados à imagem e semelhança do Deus trino, isso significa ser comunidade. Um ser pericorético, criou seres pericoréticos.

 

A Trindade em nossas Igrejas

O reverendo Ricardo Barbosa em seu livro, O Caminho do coração[3], aponta questões interessantes a respeito do relacionamento da Igreja com a Trindade. Em seu primoroso trabalho, Barbosa traz uma observação a respeito das diversas tradições evangélicas do Brasil e suas ênfases em alguma das pessoas da Trindade. Ele fala sobre uma espécie de fragmentação da Trindade [como se isso fosse possível], de acordo com cada tradição. Ele cita como exemplo as tradições reformadas que dão ênfase em Deus Pai, a tradição pentecostal e carismática com ênfase do Espírito Santo e as tradições orientais com ênfase no Filho, em sua encarnação e obra.

Barbosa nos alerta para o perigo dessa fragmentação tola, posto que, é impossível separarmos os três. Chega a ser heresia, afirmar tal coisa. A experiência com o Deus da Bíblia é sempre conjunta e nunca fragmentada. A experiência que eu acho estar tendo com o Espírito Santo, está sendo na verdade com o Deus trino, o Pai, Filho e Espírito ao mesmo tempo.

O Pai, o Filho, e o Espírito Santo são, cada um, uma personalidade, e juntos constituem o Deus exaustivamente pessoal. Existe uma eterna interação autoconsciente entre as três pessoas da Divindade. Elas são consubstanciais. Cada uma das três pessoas é Deus tanto quanto as outras duas. O Filho e o Espírito não derivam seu ser do Pai. A diversidade e a unidade no ser de Deus são, portanto, igualmente últimas; elas são exaustivamente correlatas uma à outra, mas não a qualquer outra coisa.  

(Van Til[4])

É válido ressaltar que o alerta feito por Ricardo Barbosa, é simplesmente para nos levar a reconhecer que o Deus da bíblia transcende todas as tradições cristãs, Ele é um e sempre estará unido à si mesmo. Como também para nos lembrar que nossa espiritualidade pode ser muito mais profunda e rica quando conhecemos mais esse Deus trino.


Conhecer a Trindade é conhecer Deus, o Deus eterno e pessoal de beleza, interesse e fascínio infinitos. A Trindade é o Deus que se pode conhecer e, para sempre, crescer em conhecimento mais profundo. [...] Não confundidos, mas indivisíveis. Eles são quem são juntos. Eles estão sempre juntos e, portanto, sempre trabalham juntos.


(Michael Reeves[5])

A doutrina da Trindade ensina a Igreja do Senhor Jesus a experimentar os efeitos de uma das últimas orações feitas por Jesus, antes da cruz: Minha oração é que todos eles sejam um, como nós somos um, como tu estás em mim, Pai, e eu estou em ti. [...] Que eles experimentem unidade perfeita, para que todo o mundo saiba que tu me enviaste e que os amas tanto quanto me amas[6]. Unidade, mesmo em meio às nossas diferenças de tradição. Podemos ser um, sem deixarmos de ser quem somos. Unidade e diversidade, duas características do Deus trino.

 

Conclusão

O DNA do Criador pulsa em cada centímetro da criação. Mesmo nos rebelando contra nossa identidade e destino, Deus fez um caminho no meio do deserto para resgatar a humanidade caída, para redimir cada bioma, espécies em extinção, para o louvor de Sua Glória! Ele não abriu mão de Sua criação, pois fomos predestinados a sermos participantes de Sua Glória, a dança eterna do Três.

Eu fui criança e brinquei de “Ciranda-cirandinha”, hoje sou mulher e tenho a certeza de que não há lugar melhor para estar do que nessa divina cantiga de roda, a Pericorese. Estar consciente de que estaremos eternamente em habitação mútua com os Três, é o tesouro mais precioso, é a pérola de grande valor!

 

 



[1] João 17:3.

[2] Editora Monergismo, 2017.

[3] Editora Ultimato, 2023.

[4] Apologética Cristã, editora: Cultura Cristã, 2019.

[5] Deleitando-se na Trindade, Monergismo, 2017.

[6] João 17:21 e 23.

quarta-feira, 21 de agosto de 2024

A jornada do Herói nas produções culturais

 

Eu tenho um super-herói
Que é muito melhor que He-man
Eu tenho um super-herói
Que é muito melhor que Super-homem.

(Alda Célia)




Há alguns meses atrás estava lendo Os irmãos Karamazov de Dostoievski, um clássico russo que tornou-se literatura mundial. E me recordo de o tempo todo, durante a leitura, esperar o herói da história, Aliocha, pisar na bola e mostrar alguma falha em seu caráter. Quando me dei conta do que eu estava fazendo, foi que a ficha caiu do quanto eu estava acostumada com o perfil de heróis que a era pós-moderna trouxe para dentro dos filmes e livros nas últimas décadas.

O clássico virou romântico, que virou realista e que inspirou os precursores modernistas[1]. O modernismo trouxe o anti-herói, no Brasil, conhecido como Macunaíma[2]. O anti-herói é o herói com defeitos, o herói com falhas de caráter e valores, em sua maioria contrários aos que eram enaltecidos pelas gerações anteriores. Quando estudamos as raízes filosóficas dessas escolas e da produção cultural dos últimos dois séculos, vamos entender que “o buraco é bem mais fundo” do que imaginamos.

Nunca antes tivemos tanto conforto, oportunidades para desenvolver nossas habilidades e dons. Nunca antes tivemos o mundo literalmente na palma de nossas mãos, podemos estar conectados à pessoas dos diversos cantos da terra em uma fração de segundos. A distância tornou-se obsoleta. Mas, ao mesmo tempo, nunca presenciamos tanto isolamento, individualismo, doenças relacionadas à mente e emoções. A produção cultural de uma sociedade é só mais um meio pelo qual ela revela seu coração e seus valores.

 

O anti-herói

Talvez o anti-herói mais famoso da modernidade (e continua na pós-modernidade), tanto nos quadrinhos como nos cinemas é o Deadpool. Isso quando falamos de uma das maiores produtoras de heróis de todos os tempos, a Marvel Comic’s. Não sou especialista nessa franquia, pois não assisti a todos os filmes produzidos pela mesma, e muito menos li os quadrinhos, todavia, é impossível ignorar a cultura pop.

Não vejo problema em termos anti-heróis em nossas narrativas e ficções, pois eles mostram muito bem a realidade da humanidade caída, morta em seus delitos e pecados. Contudo, quando o herói perde seu brilho, e passamos admirar e torcer mais por esses “heróis” caídos, é onde realmente mora o problema. É a mesma história de nos pegarmos, ao assistirmos uma novela/série, torcendo para que o casal se divorcie porque os amantes são mais bonitos ou possuem “qualidades” superiores aos cônjuges. O anti-herói é isso mesmo que você está pensando, é uma mistura do vilão com o mocinho da história.

A Bíblia é um exemplo interessante de muitos anti-heróis. Homens e mulheres caídos que suas histórias apontam para a narrativa principal, a necessidade de um Messias, o verdadeiro herói. O papel do anti-herói é apontar para o verdadeiro herói da história, o Deus-homem. O papel do anti-herói é comprovar que a humanidade não pode salvar-se a si mesmo, ela depende da intervenção divina. Pode parecer tema da Escola Bíblica de Férias, mas essa é a mensagem do evangelho, não existe salvação fora de Cristo. Quando nos distanciamos desse modelo de perfeição vamos nos deparar com o que temos encontrado hoje nas narrativas e ficções, heróis à imagem e semelhança da humanidade caída.

 

A pós-modernidade e o enaltecimento do “salve-se a si mesmo”.

Uma cena importante nas Escrituras, durante a crucificação de Jesus, é o momento em que os religiosos passam diante da cruz zombando de Jesus e usam exatamente essa expressão: “Salve-se a si mesmo!”. O único ser humano capaz de salvar a si mesmo, decidiu não salvar a si mesmo, em obediência ao Pai. E hoje quando perguntamos às nossas crianças e adolescentes, quem são seus heróis, a resposta vai ser essa: “Eu sou o meu herói!”[3]. O ceticismo plantado há duas gerações anteriores, cultivado pelo enaltecimento do indivíduo, gerou a geração dos heróis de si mesmo.

É possível ver essa verdade em algumas releituras dos contos de fada nos cinemas, como também as novas histórias sem o famoso “felizes para sempre”. Ficções como As crônicas de gelo e fogo[4] vieram para confirmar as conclusões dos pós-guerras, utopias humanas podem virar distopias. Isso não deixa de ser verdade, entretanto, a intervenção divina é real! Deus entrou na história do cosmo e está restaurando todas as coisas para o louvor de sua glória! Ele continua sendo Senhor de todas as coisas, e sim, o nosso “Felizes para sempre” está por vir.

Ser cristão é ter a certeza de que SE nossos dias melhores [que estão por vir], não chegarem nessa vida, eles estarão chegando com o Messias! Jesus está voltando para governar as nações e restaurar a terra! Quer maior esperança escatológica do que esta?

 

Conclusão

A maior parte de nós quando consumimos cultura pop não ligamos muito para o que aquele artefato cultural (música, filmes, peças de teatro, livros, obras de arte...) está falando, muito menos paramos para pensar sob qual linha filosófica foram produzidos. Afinal de contas, pra que serve filosofia mesmo? A maior parte de nós, quando nos conectamos a algum streaming (Netflix, Amazon, Disney, HBO...) em nossos celulares, laptops ou mesmo televisão, é com o intuito de nos desligarmos da realidade. Procuramos uma ficção que não nos proporcionem reflexões profundas, porque estamos cansados de pensar.

Mas, a parte irônica nisso tudo é que estamos consumindo projetos muito bem pensados, até mesmo aquelas produções que parecem completamente ridículas e sem sentido, elas estão comunicando e moldando formas de pensar. E a tal da filosofia é a forma como esses pensamentos e ideias são sistematizados e explicados. Não existe produção cultural neutra. Os heróis da geração pós-guerra morreram de overdose, os heróis da minha geração querem mudar o mundo. Os heróis da geração atual é o self (si). O papel do herói nas narrativas culturais são muito importantes, pois, como você pode perceber, podem (de)formar a mentalidade de uma geração.

 

 



[1] Aqui resumo de forma cadencial as escolas literárias e artísticas que tiveram início a partir do Iluminismo (Renascimento) – Século XV.

[2] Anti-herói da obra de Mario de Andrade, que em minha opinião é uma produção genial. Todo missionário(a) ou pastor(a) brasileiro(a) deveria ler Macunaíma.

[3] Capital Moral – Roel Kuiper.

[4] Popularmente conhecida por sua saga na HBO “A guerra dos Tronos – Games of thrones” e atualmente a série “Casa do dragão”.



quarta-feira, 17 de julho de 2024

O Poder da Comunhão (Parte II)

 

Era o seu nome Barnabé, natural de Chipre. Também chamado de José das consolações. Homem bom e piedoso.

(Guilherme Kerr)

 

Minha vida é obra de tapeçaria

É tecida de cores alegres e vivas

Que fazem contraste no meio das cores

Nubladas e tristes

Se você olha do avesso

Nem imagina o desfecho

No fim das contas

Tudo se explica

Tudo se encaixa

Tudo coopera pro meu bem

 

(Stenio Marcius)

 

Stained glass window of Saints Peter and Barnabas in the cathedral of Saint Corentin | photo by Thesupermat


Na última reunião presencial da nossa organização, aqui no Oeste da África, nosso palestrante falava sobre a importância de aprender a desenvolver amizades; não amizades no sentido de coleguismo, mas amizades profundas. O desafio que ele nos lançou para os próximos meses foi: “Tenha melhores amigos! Escolha alguém e desenvolva essa amizade”. Desde o dia em que nascemos estamos aprendendo a nos relacionar. Para aqueles que ainda não entenderam que estão aprendendo a ser mães, pais, esposos e esposas, filhos e amigos, a vida é mais difícil.

O ponto interessante desse desafio é que atualmente estou em uma posição de recomeço, no que diz respeito a amizades profundas. Todos os meus amigos e amigas que antes viviam perto de mim, se mudaram. Meus colegas de trabalho foram remanejados para outras funções, outros estão a caminho da aposentadoria. Muitas mudanças e surpresas inesperadas.

Viver em terras distantes nos ensina a desenvolver amizades, recebê-las como uma dádiva de Deus, ou morrer na sequidão e isolamento. É válido manter amizades que você cultivou, mesmo que hoje essas pessoas não morem no mesmo país (cidade) que você, a tecnologia está ai para nos ajuda a encurtar as distâncias. Mas, ao mesmo tempo, não é a mesma coisa do corpo presente, do abraço, das orações e comunhão sem os ruídos e cortes advindos de uma má conexão de internet.

Poderia descrever minha experiência pessoal, vivendo em terras distantes, através da palavra “agraciada”. Deus me deu muitos bons amigos e amigas, por todos os lugares que passei, em cada período específico de minha trajetória. Olhando para trás consigo ver a mão do tapeceiro costurando minha história às histórias de outras pessoas, tão especiais e caras para mim hoje. Cada uma dessas amizades foram Barnabés, chegaram na hora certa, trazendo uma palavra de encorajamento ou exortação, e hoje, fazem parte de mim.

 

Barnabé, o encorajador

Barnabé é um dos santos venerado tanto pela Igreja Católica (igreja ocidental) como pela Ortodoxa (igreja oriental), seu dia no calendário litúrgico é 11 de Junho. Era natural de Chipre, uma ilha paradisíaca próxima ao Líbano. Seus pais eram judeus helênicos da tribo de Levi, sua tia (Maria) era mãe de João Marcos[1], conhecido pela tradição como autor do segundo dos evangelhos[2] e também por participar de algumas viagens missionárias de Paulo.

O nome de Barnabé é citado em Atos dos Apóstolos, as informações que temos a seu respeito estão contidas nos relatos de Lucas e na tradição das igrejas do Oriente. Barnabé foi uma peça fundamental no ministério de Paulo e de muitos outros irmãos da Igreja primitiva. Segundo a história, seu nome de nascimento era José, mas quando este vendeu todos os seus bens e deu o dinheiro aos apóstolos em Jerusalém, recebeu o nome de Barnabé, υἱός παρακλήσεως (hyios paraklēseōs), que significa "filho da exortação/consolação"[3].

Vemos os atos do Espírito Santo de Deus através da vida de Barnabé em diversas ocasiões narradas por Lucas[4], ao introduzir Saulo aos apóstolos[5], ao contribuir e participar do crescimento da igreja em Antioquia, a primeira igreja missionária[6], ao ser enviado e tornar-se um dos companheiros de Paulo nas missões aos gentios.

O primeiro envio formal de missionários que vemos relatado nas escrituras, está em Atos 13, quando a igreja de Antioquia impõe as mãos sobre Paulo e Barnabé e os envia às nações mais distantes da terra (Ásia e Europa). Se você observar os capítulos anteriores vai perceber que o “chamado missionário” de Paulo e Barnabé foram anteriores a essa confirmação da igreja, mas esse é um assunto para um próximo texto. O que gostaria de pontuar aqui é a importância de um Barnabé na vida dos missionários, ou daqueles irmãos e irmãs que vivem temporariamente longe de sua igreja local, de sua casa. Principalmente quando estamos vivendo em uma cultura bem diferente da nossa.

Precisamos de irmãos e irmãs que orem conosco e por nós, ao mesmo tempo que também precisamos ser alimentados pelas palavras de consolo, exortação e encorajamento. É um renovo precioso, vindo diretamente da comunhão com Cristo Jesus através do Espírito Santo. Vivendo em terras distantes, consigo imaginar o que foi Barnabé na vida de Paulo. Consigo imaginar o desejo de Paulo em estar com seus amigos e amigas de fé e missão[7]. Consigo imaginar como será o dia do grande banquete, as Bodas do Cordeiro.

 

Conclusão

A trajetória de Barnabé nos ensina tanto a desejar Barnabés perto de nós, como também ser Barnabé na vida de outras pessoas. E essa é a vida natural da Igreja, o Corpo de Cristo, espalhado por todos os lugares da terra. Deus tem nos convidado a sermos mais parecidos com Ele, em unidade e diversidade. Ele é família e nos ensina a ser família. Uma família composta de diversas línguas e culturas.

A vida de Barnabé nos lembra do propósito para o qual fomos criados, viver em comunhão. Participar da dança da Trindade e levar outros a também dançarem conosco. Fellowship[8] é a respiração do Corpo de Cristo.

 

 



[1] Colossenses 4:10

[2] Considerando a ordem dos evangelhos por questão de data, sou da linha que entende que Marcos foi o primeiro dos Evangelhos a ser escrito.

[3] Atos 4:36

[4] Autor do livro de Atos dos Apóstolos.

[5] Atos 9

[6] Atos 13

[7] É possível ver a importância de pessoas como Priscila e Áquila, Febe, Andrônico, Júnia, Apeles, Amplíato, Rufo e sua mãe, Timóteo, Tito e muitos outros irmãos e irmãs que tornaram-se a família mais próxima do apóstolo Paulo.

[8] Para saber mais, leia a primeira parte dessa sequência de textos. Link: https://mentes-renovadasmay.blogspot.com/2024/06/o-poder-da-comunhao-parte-i.html

sexta-feira, 14 de junho de 2024

O Poder da Comunhão (Parte I)


Tapeceiro
Grande artista
Vai fazendo o seu trabalho
Incansável, paciente
No seu tear

Tapeceiro
Não se engana
Sabe o fim desde o começo
Trança voltas, mil desvios
Sem perder o fio

(Stênio Marcius)


Ano: 2001


Não sei se você já ouviu falar sobre a renomada obra de nosso irmão de fé J. R. R. Tolkien, O Senhor dos Anéis. No Brasil as obras de Tolkien se popularizaram por meio das produções cinematográficas, dirigidas por Peter Jackson[1]. O primeiro livro (filme) da série de O Senhor dos Anéis (The Lord of rings) tem como subtítulo no original, “The fellowship of the ring”[2]. A palavra fellowship foi traduzida para o português como “sociedade”. Talvez a palavra sociedade tenha sido escolhida por soar melhor como título da obra, mas ela não exprime completamente o significado de fellowship. Ao checar no dicionário é possível perceber que a gama de significado é mais profunda, e quando observamos o uso corrente dessa palavra pelos falantes do inglês, é possível perceber que tem mais a ver com amizade, comunhão, fraternidade e companheirismo[3].

É exatamente isso que vemos na história de Frodo Baggins e seus amigos. É fato que um compromisso (como sociedade) é feito no início da caminhada, mas a jornada até às Montanhas da Perdição forja cada integrante da Sociedade do Anel, levando-os a desenvolverem uma amizade e comunhão incrível. Os campos de batalhas, as perseguições, perigos eminentes e a própria luta contra si mesmos são elementos cruciais para transformar amizades em irmandades. Como bem disse o autor de Provérbios: “O amigo ama em todo tempo, e na angústia nasce o irmão.”[4].

Eu chamo essas amizades de irmandade de alma, elas ultrapassam as barreiras linguísticas, sociais e principalmente do orgulho. Quando temos a oportunidade de experimentá-las é um verdadeiro oásis em meio ao deserto.

 

Da ficção para a realidade

Da ficção para a realidade ou da realidade para a ficção? Quem inspira quem? É uma pergunta difícil de responder. Ficção e realidade estão tão entrelaçadas quanto passado-presente-futuro. A ficção se inspira na realidade e segue inspirando a realidade. Amizades improváveis como a de um elfo e um anão – Legolas e Gimli. Será que você tem uma amizade assim, de um grupo étnico (cultural) bem diferente do seu? Ou alguém com uma personalidade bem diferente da sua, mas, ao mesmo tempo vocês possuem algo em comum e muito poderoso que os une.

Amizades que suportam rejeições, crises e muito sofrimento, é o que vemos na jornada de Sam e Frodo. Já ouvi comentários críticos em relação à subserviência de Sam para com Frodo, sua humildade e quebrantamento assustam muitos leitores (expectadores) que não conhecem os ensinamentos de Jesus a respeito de lavar os pés uns dos outros e levar as cargas uns dos outros. Esse tipo de amizade é assustadora para o mundo em que vivemos. Em todos os nossos relacionamentos vamos querer algo em troca, não estaremos disponíveis para alguém que se sente superior a nós ou que não “merece” nosso amor e tempo. Essa amizade sacrificial lembra muito Jesus, ou mesmo, uma mãe que está disposta a amar os que não “merecem” ser amados.

Poderia citar outros exemplos dentro dessa mesma obra, mas, meu intuito aqui é ressaltar o impacto que essas amizades tiveram na história de cada indivíduo e de toda a terra média[5]. A Sociedade do Anel é formada com um único objetivo em comum, destruir o “um anel” e impedir o avanço do mal. Ao final da jornada é possível perceber que nenhum dos personagens é mais o mesmo, foram transpassados por pessoas, eventos e situações. Mas, algo que quase não observamos ou paramos para pensar é o impacto que essas amizades tiveram no macro, na história de todo o universo (Cosmo). Nossas amizades podem ter impacto na eternidade. Deus nos ensina a desenvolver amizades para contribuir com a história da redenção.

 

Tolkien e C. S. Lewis

Talvez você não saiba, mas algo muito interessante é que Tolkien, o escritor de “O Senhor dos Anéis” e C. S. Lewis, o criador das “Crônicas de Nárnia” eram amigos. Essa amizade teve forte influência nas produções literárias de ambos. Alister McGrath[6] relata que o primeiro encontro do dois se deu em um chá da tarde, tradicional costume inglês. O chá transformou-se em grupo de estudo, correspondências trocadas, e depois, em uma amizade que afetou suas vidas por completo. “Alguém precisava ajudá-lo [Tolkien] a dominar seu perfeccionismo. E aquilo que Tolkien precisava ele encontrou em Lewis”.

Com certeza eles não faziam ideia do impacto que suas obras (amizade) teriam na história da redenção, pessoas de diversas gerações e diferentes línguas foram tocadas pelos escritos de tão renomados escritores. Nárnia, O Senhor dos Anéis, O Hobbit e as demais obras oriundas da Terra Média, tiveram suas raízes firmadas nas Escrituras e até os dias de hoje atrai a atenção dos mais diversos públicos.

 

Comunhão em terras distantes

Fomos criados para viver em comunidade, por mais que muitos tentem dizer o contrário, nascemos para habitar uns nos outros. Olhando mais uma vez para a jornada de Frodo e seus amigos, é possível perceber que ao se separarem o fizeram em dupla ou trio. Estar distante de casa, imerso em um cultura e língua diferente da sua pode fazer a jornada um pouco mais pesada. Mas, Deus, em sua soberania, sempre prepara parcerias e amigos de alma ao longo da estrada. 

A princípio o leitor pode pensar que foram as adversidades, os Orcs, o um Anel que os levaram àquelas condições, mas, o autor tinha controle sobre a história. Deus continua no controle da história da humanidade, e na história de cada um de seus filhos e filhas. Como um tapeceiro que tece um belo tapete, Ele vai tecendo nossas histórias, nos fazendo mais parecidos com Ele!

                                     

Conclusão

Peter J. Leithart[7] fala o seguinte sobre nossas relações (amizades, casamento, maternidade...): Outras pessoas fazem morada em nós, quer as recebamos bem ou não. Somos quem somos por causa dos outros que “nos habitam”. E viver em amor significa que permitimos essa habitação, abrimos nossas portas a outros, e buscamos habitar neles. Nossas relações de habitação mútua nos revela a realidade do próprio Deus – Pai, Filho e Espírito Santo.

Nossas comunidades cristãs foram projetadas para ser assim, orgânicas e profundas. Nossas reuniões nas igrejas e principalmente nas casas deveriam ser desejadas e ansiadas por todos nós. Se não está assim, é porquê está faltando mais do Cristo crucificado em nós. É porquê ainda não entendemos o motivo pelo qual estamos nesse mundo. É porquê ainda não entendemos de onde viemos e para onde estamos indo. Peregrinos, que saíram da cidade da Destruição e esperam pela cidade Celestial[8].

Eu sei que ter amigos não é tarefa fácil, pois isso precisa começar em nós, e na maioria das vezes estamos bem fechados. A sociedade diz: “Não confie! Não perca seu tempo!”, mas Jesus nos diz: “Não tem amor maior do que este: dar a vida pelos seus amigos[9]”. O reino de Jesus é um reino de amigos. O Reino de Jesus é feito de fellowship.

 



[1] Esse diretor, neozelandês, foi responsável pelas produções da Trilogia do Senhor dos Anéis (A sociedade do anel 2001/ As duas torres 2002 / O Retorno do Rei 2003) e Trilogia O Hobbit (2012, 2013 e 2014).

[2] A Sociedade do Anel

[3] Meu objetivo não é criticar quem fez a tradução do termo, somente explorar a gama de significados do termo e relacioná-lo com a obra em si.

[4] Provérbios 17:17

[5] É assim que se chama o mundo de Tolkien e seus personagens.

[6] A vida de C. S. Lewis – Do ateísmo às terras de Nárnia. Editora Mundo Cristão.

[7] Vestígios da Trindade, editora: Monergismo.

[8] Referência ao clássico cristão: O Peregrino de John Bunyan.

[9] João 15:13-15


terça-feira, 23 de abril de 2024

A Cultura do Lamento

 

O lamento não só é um ato de autoexpressão ou de exorcizar a dor: ele nos forma e cura. Os Salmos expressam cada emoção humana, mas, recitados vez após outra, nunca nos deixam simplesmente como estávamos. Eles são um remédio forte. Eles nos mudam. A transformação efetuada não é converter nossa tristeza em felicidade; eles não pegam pessoas tristes e lhes tornam irritantemente sorridentes e otimistas. […] Pelo contrário, eles firmam nossa visão no amor de Deus por nós e nos ensinam a localizar a nossa dor e anseio no drama eterno de Deus. Eles nos formam para ser um povo que pode manter as profundezas de nossa dor com total sinceridade, ao mesmo tempo em que nos mantemos firmes nas promessas de Deus.

(Tish Warren – Oração da noite)


Geinene Carson

Quando falamos sobre lamento e tristeza é um tópico que muitas vezes evitamos, pois contraria a cultura na qual estamos inseridos. Uma cultura que prega a felicidade em todos os momentos e o prazer a cima de tudo. Quando nos deparamos com as Escrituras e a narrativa bíblica, percebemos que o lamento e a tristeza fazem parte das orações dos santos. O choro e a dor fazem parte do Deus ao qual adoramos e dizemos conhecer. Ele é um Deus que sofre desde que a humanidade caiu e o pecado entrou em nossa história. Há pelo menos duas razões pelas quais o lamento e a tristeza são importantes na vida cristã, a primeira é que por meio deles conhecemos a Deus de forma completa, a segunda é que mais do caráter de Cristo é formado em nós.

Richard Foster escreveu: “Hoje o coração de Deus é uma ferida aberta de amor”. Deus sofre pelos povos e pessoas que não o conhecem, pelos filhos que viraram as costas para a comunhão e a mesa. O Eterno é aquele que entregou parte de si para ser rasgado e moído por nossas transgressões e pecados, mas a cima de tudo glorificar Seu próprio nome cumprindo Seu plano eterno de tabernacular em perfeita união com a humanidade. Ele é o Deus, o qual possui aflições que ainda precisam ser vividas e partilhadas por seus amigos. Ser amigo de Jesus e estar em plena comunhão com Ele, partilhar de suas aflições e dores[1].

 

As diversas formas de Lamento

A nossa vida ordinária[2] é uma constatação do quão real é a narrativa bíblica, podemos enxergar a mesma mistura de emoções e sentimentos experimentados pelos personagens bíblicos nas diversas estações de suas vidas. Temos o exemplo de Davi, no Salmo 51 que lamenta por seu pecado e sua infidelidade ao Senhor. Temos o lamento e desespero de Ana por não ter filhos, em I Samuel 1, transformados em oração e súplica. Jó lamentou e chorou a intensa dor de muitas perdas de uma só vez. Vemos o lamento de Daniel em oração por Israel, que experimentava o amargor do exílio. No livro de Esdras vamos observar a mistura de choro com gritos de alegria, quando o templo é reconstruído.

Em Lucas 15 o pai lamenta pelo filho mais novo que o desprezou e saiu de casa. Jesus chora e lamenta ao olhar Jerusalém, por saber que seu povo não reconheceu que Ele era o Messias. Os judeus e cristãos lamentaram a perseguição e martírio. Vemos Paulo, mesmo em meio a lágrimas e sofrimento, se alegrando em suas prisões e suplícios. Ao abrirmos o livro de Salmos vamos perceber que esse livro tão antigo de orações e louvores, fizeram parte das orações e lamentos do povo de Deus no decorrer dos séculos – Antigo e Novo Testamento, Igreja ao longo dos séculos. Em muitos casos o lamento e a tristeza foram tamanhas que o autor se sente esquecido pelo próprio Deus (Salmo 13).

A igreja Afegã, Sudanesa, Norte Coreana, Chinesa e de diversas nacionalidades sofrem pela perseguição e o martírio. Sofremos pelas crianças e adolescentes explorados de diversas maneiras. Sofremos por causa de governos corruptos e lideranças não servidoras. Sofremos ao ver trabalhadores que tem suas aposentadorias roubadas, pelo agricultor que não conhece bem seus direitos e não sabe como reivindica-los. Sofremos pelos nosso amados que morrem. Sofremos por nossos próprios pecados, e nossa incapacidade de nos livrar deles. Sofremos pelas marcas que a queda deixou na bonita criação de Deus. E como nossos irmãos e irmãs faziam, precisamos aprender a lamentar de forma correta. Precisamos aprender a transformar o lamento em oração e canto.

 

O Lamento como Luto

Tish Warren em seu livro “Orações da noite”[3] expressa bem o porquê temos dificuldade com o Luto e a dor da perda, ela nos lembra dos processos que o luto exige e de como somos resistentes a eles.

O nosso problema é com o sentimento de tristeza. Vamos fazer praticamente qualquer coisa para evitá-lo. E se precisamos nos sentir tristes, ao menos queremos que nossa tristeza acabe quando já estamos fartos dela. Nós queremos que o luto seja apenas mais uma tarefa na nossa lista; o temporizador da alma vai tocar e poderemos ir para a próxima tarefa. Mas não é assim que o luto funciona. Nós o controlamos tanto quanto controlamos o clima. Não é simplesmente uma atividade intelectual, um reconhecimento cognitivo da perda. Sentir tristeza é o custo de ser vivo emocionalmente. Na verdade, é o custo até da santidade. Os cristãos precisam se permitir ser um povo que lamenta. Faz parte do pacote. […], a não ser que concedamos certo espaço para o luto, não poderemos conhecer as profundezas do amor de Deus, o Deus que cura e retorce a dor, a forma que o luto traz sabedoria, conforto, e até alegria. […] Se não dermos espaço para o luto, ele não irá simplesmente desaparecer. O luto é teimoso. Ele dará um jeito de ser ouvido ou morreremos tentando silenciá-lo. Se não o encararmos diretamente, ele nos comerá pelos cantos, de modos que não são sempre fáceis de reconhecer como luto: explosões de raiva, ansiedade fora do controle, vazio compulsivo, amargura regurgitante e vícios sem fim. O luto é um fantasma que não pode descansar até que seu propósito seja cumprido.

É fato que não fomos projetados para a morte e consequentemente nunca estaremos preparados para lidar com ela. Jesus foi o único ser humano que venceu a morte e a exterminará por completo na consumação dos séculos! Todavia, não podemos ignorá-la enquanto estamos aqui; precisamos viver as dores e processos que a morte tem causado em nossas vidas.

 

Os Salmos – as orações e cantos dos santos de todas as Eras

João Calvino chamou os Salmos de “a anatomia de todas as partes da alma”. Ele disse que não há emoção humana que “qualquer um encontre em si cuja imagem não seja refletida neste espelho. Todos os lutos, tristezas, medos, enganos, esperanças, cuidados, ansiedade, em suma, todas as emoções perturbadoras com as quais as mentes dos homens acabam se agitando, o Espírito Santo retratou com exatidão aqui. Os Salmos são dramáticos. E a vida — mesmo a vida ordinária — é dramática, encharcada de significado, cheia de gloriosa beleza e profunda dor. (Tish Warren)

Vejamos um exemplo na prática de como os salmos nos ensinam a lamentar de forma correta:

Até quando te esquecerás de mim, SENHOR? Para sempre? Até quando esconderás de mim o teu rosto? Até quando consultarei com a minha alma, tendo tristeza no meu coração cada dia? Até quando se exaltará sobre mim o meu inimigo?

(Salmo 13:1-2)

Quem nunca se sentiu assim? A dor e o sofrimento, em alguns dias, parecem não ter fim. Esses momentos tentam nos fazer esquecer de que nossa vida já esteve repleta de alegria e paz. E o ensino do salmista é o clamor ao Senhor por iluminação e graça:

Atende-me, ouve-me, ó Senhor meu Deus; ilumina os meus olhos para que eu não adormeça na morte; Para que o meu inimigo não diga: Prevaleci contra ele; e os meus adversários não se alegrem, vindo eu a vacilar.

(Salmo 13:3-4)

 Ele finaliza o salmo com palavras de adoração e confiança no caráter imutável de Deus. Talvez sejam assustadores os versos finais, mas, sua reação à dor e ao sofrimento é a composição de cânticos, um novo cântico para a estação do lamento. A Mesmo em meio a dor e ao luto, o salmista vê a bondade de Deus.

Mas eu confio na tua benignidade; na tua salvação se alegrará o meu coração. Cantarei ao Senhor, porquanto me tem feito muito bem.

(Salmo 13:5-6)

Agostinho via os Salmos como “a forma de Deus remodelar nossos desejos e percepções para que aprendêssemos a lamentar as coisas certas e nos regozijar com as coisas certas.” O que precisamos entender é que nossas emoções são boas, elas foram criadas por Deus para a Sua glória. Todavia, o que acontece em diversos momentos, é que nossas emoções tomam a direção errada – egocentrismo. Temos o habito de fazer tudo girar em torno de nós mesmos, e como podemos ver o problema não são nossas emoções, mas nosso coração. É exatamente nesse ponto que os Salmos remodelam nossos desejos e percepções. Eles nos ensinam a olhar para a pessoa certa, Deus!

O lamento é uma expressão de tristeza. Aprender a lamentar é aprender a chorar. Mas é mais do que isso. Nos salmos de lamento, o salmista cobra as promessas de Deus para o próprio Deus. […] É melhor vir a Deus com palavras duras do que continuar longe dele, nunca verbalizando nossas dúvidas e frustrações. Melhor se irritar com o Criador do que fumegar em devoções polidas. Deus não repreendeu o salmista. Ao longo dos Salmos, ele nos incentiva a falar com ele sem filtros. Contudo, para deixar as coisas mais difíceis, a maior parte de nós não só vive numa cultura que se inoculou contra o lamento, como também vive numa cultura em que é fácil presumir que sabemos mais do que Deus.

(Tish Warren)

 

Conclusão

O lamento é um forma de participarmos do coração de Jesus, como Tomé. Talvez nossa reação ao olharmos para a atitude de Tomé é julgá-lo como incrédulo, mas esquecemos de olhar qual foi a resposta de Jesus deu a esse discípulo: “Toque e creia!”. Talvez teremos passar por situações de dor e lamento, para que como Jó contemplemos: “Antes eu te conhecia de ouvir falar, mas agora os meus olhos de veem”[4]. A glória de todo o sofrimento e dor é ter olhos para ver Aquele que está assentado no trono, é de que o lamento não é para sempre, pois um dia todas as nossas lágrimas serão enxugadas[5]. Nós não teremos lágrimas para lamentar na Nova Jerusalém, por isso, louvado seja o Senhor pelo privilégio de derramarmos nossas lágrimas aqui e ver tudo cooperando para nosso bem.

A pintura “A bird’s simple song” de Geinene Carson[6] – exposta nessa postagem – é a representação de um canário, o pássaro que é capaz de compor novos sons (uma nova canção) em diferentes estações do ano. É uma analogia preciosa de como os Salmos podem nos ensinar a cantar novos cânticos ao nosso Deus, nas diferentes estações da nossa vida. Existe uma canção para ser cantada em meio às prisões[7], dores, lutos e dessabores. A Bíblia nos convida a cultivarmos uma comunidade que aprendeu a lamentar!



[1] Colossenses 1:24: Regozijo-me agora no que padeço por vós, e na minha carne cumpro o resto das aflições de Cristo, pelo seu corpo, que é a igreja;

[2] Entenda ordinária, como cotidiana, rotineira.

[3] Você pode comprar em: https://www.amazon.com.br/Ora%C3%A7%C3%A3o-noite-Tish-Warren/dp/6556891983

[4] Jó 42:5

[5] Apocalipse 21:4

[6] Contrary to what one might think, a bird’s song is anything but simple; hence, the touch of sarcasm in the title. In the midst of my research on neuro-genesis, I came across a most interesting scientific discovery of the songbird’s brain, specifically the canary, which has been proven to possess the unique ability to regenerate neural pathways when learning new seasonal songs. If even birds were created with this amazing ability, what about us? Can we not also learn new songs for new seasons? / Ao contrário do que se possa pensar, o canto de um pássaro não é nada simples; daí o toque de sarcasmo no título. No meio da minha pesquisa sobre neurogénese, deparei-me com uma descoberta científica muito interessante do cérebro dos pássaros canoros, especificamente do canário, que demonstrou possuir a capacidade única de regenerar vias neurais ao aprender novas canções sazonais. Se até os pássaros foram criados com essa habilidade incrível, e nós? Não podemos também aprender novas músicas para novas temporadas?

[7] Paulo e Silas (Atos 16:16-34)