sexta-feira, 14 de junho de 2024

O Poder da Comunhão (Parte I)


Tapeceiro
Grande artista
Vai fazendo o seu trabalho
Incansável, paciente
No seu tear

Tapeceiro
Não se engana
Sabe o fim desde o começo
Trança voltas, mil desvios
Sem perder o fio

(Stênio Marcius)


Ano: 2001


Não sei se você já ouviu falar sobre a renomada obra de nosso irmão de fé J. R. R. Tolkien, O Senhor dos Anéis. No Brasil as obras de Tolkien se popularizaram por meio das produções cinematográficas, dirigidas por Peter Jackson[1]. O primeiro livro (filme) da série de O Senhor dos Anéis (The Lord of rings) tem como subtítulo no original, “The fellowship of the ring”[2]. A palavra fellowship foi traduzida para o português como “sociedade”. Talvez a palavra sociedade tenha sido escolhida por soar melhor como título da obra, mas ela não exprime completamente o significado de fellowship. Ao checar no dicionário é possível perceber que a gama de significado é mais profunda, e quando observamos o uso corrente dessa palavra pelos falantes do inglês, é possível perceber que tem mais a ver com amizade, comunhão, fraternidade e companheirismo[3].

É exatamente isso que vemos na história de Frodo Baggins e seus amigos. É fato que um compromisso (como sociedade) é feito no início da caminhada, mas a jornada até às Montanhas da Perdição forja cada integrante da Sociedade do Anel, levando-os a desenvolverem uma amizade e comunhão incrível. Os campos de batalhas, as perseguições, perigos eminentes e a própria luta contra si mesmos são elementos cruciais para transformar amizades em irmandades. Como bem disse o autor de Provérbios: “O amigo ama em todo tempo, e na angústia nasce o irmão.”[4].

Eu chamo essas amizades de irmandade de alma, elas ultrapassam as barreiras linguísticas, sociais e principalmente do orgulho. Quando temos a oportunidade de experimentá-las é um verdadeiro oásis em meio ao deserto.

 

Da ficção para a realidade

Da ficção para a realidade ou da realidade para a ficção? Quem inspira quem? É uma pergunta difícil de responder. Ficção e realidade estão tão entrelaçadas quanto passado-presente-futuro. A ficção se inspira na realidade e segue inspirando a realidade. Amizades improváveis como a de um elfo e um anão – Legolas e Gimli. Será que você tem uma amizade assim, de um grupo étnico (cultural) bem diferente do seu? Ou alguém com uma personalidade bem diferente da sua, mas, ao mesmo tempo vocês possuem algo em comum e muito poderoso que os une.

Amizades que suportam rejeições, crises e muito sofrimento, é o que vemos na jornada de Sam e Frodo. Já ouvi comentários críticos em relação à subserviência de Sam para com Frodo, sua humildade e quebrantamento assustam muitos leitores (expectadores) que não conhecem os ensinamentos de Jesus a respeito de lavar os pés uns dos outros e levar as cargas uns dos outros. Esse tipo de amizade é assustadora para o mundo em que vivemos. Em todos os nossos relacionamentos vamos querer algo em troca, não estaremos disponíveis para alguém que se sente superior a nós ou que não “merece” nosso amor e tempo. Essa amizade sacrificial lembra muito Jesus, ou mesmo, uma mãe que está disposta a amar os que não “merecem” ser amados.

Poderia citar outros exemplos dentro dessa mesma obra, mas, meu intuito aqui é ressaltar o impacto que essas amizades tiveram na história de cada indivíduo e de toda a terra média[5]. A Sociedade do Anel é formada com um único objetivo em comum, destruir o “um anel” e impedir o avanço do mal. Ao final da jornada é possível perceber que nenhum dos personagens é mais o mesmo, foram transpassados por pessoas, eventos e situações. Mas, algo que quase não observamos ou paramos para pensar é o impacto que essas amizades tiveram no macro, na história de todo o universo (Cosmo). Nossas amizades podem ter impacto na eternidade. Deus nos ensina a desenvolver amizades para contribuir com a história da redenção.

 

Tolkien e C. S. Lewis

Talvez você não saiba, mas algo muito interessante é que Tolkien, o escritor de “O Senhor dos Anéis” e C. S. Lewis, o criador das “Crônicas de Nárnia” eram amigos. Essa amizade teve forte influência nas produções literárias de ambos. Alister McGrath[6] relata que o primeiro encontro do dois se deu em um chá da tarde, tradicional costume inglês. O chá transformou-se em grupo de estudo, correspondências trocadas, e depois, em uma amizade que afetou suas vidas por completo. “Alguém precisava ajudá-lo [Tolkien] a dominar seu perfeccionismo. E aquilo que Tolkien precisava ele encontrou em Lewis”.

Com certeza eles não faziam ideia do impacto que suas obras (amizade) teriam na história da redenção, pessoas de diversas gerações e diferentes línguas foram tocadas pelos escritos de tão renomados escritores. Nárnia, O Senhor dos Anéis, O Hobbit e as demais obras oriundas da Terra Média, tiveram suas raízes firmadas nas Escrituras e até os dias de hoje atrai a atenção dos mais diversos públicos.

 

Comunhão em terras distantes

Fomos criados para viver em comunidade, por mais que muitos tentem dizer o contrário, nascemos para habitar uns nos outros. Olhando mais uma vez para a jornada de Frodo e seus amigos, é possível perceber que ao se separarem o fizeram em dupla ou trio. Estar distante de casa, imerso em um cultura e língua diferente da sua pode fazer a jornada um pouco mais pesada. Mas, Deus, em sua soberania, sempre prepara parcerias e amigos de alma ao longo da estrada. 

A princípio o leitor pode pensar que foram as adversidades, os Orcs, o um Anel que os levaram àquelas condições, mas, o autor tinha controle sobre a história. Deus continua no controle da história da humanidade, e na história de cada um de seus filhos e filhas. Como um tapeceiro que tece um belo tapete, Ele vai tecendo nossas histórias, nos fazendo mais parecidos com Ele!

                                     

Conclusão

Peter J. Leithart[7] fala o seguinte sobre nossas relações (amizades, casamento, maternidade...): Outras pessoas fazem morada em nós, quer as recebamos bem ou não. Somos quem somos por causa dos outros que “nos habitam”. E viver em amor significa que permitimos essa habitação, abrimos nossas portas a outros, e buscamos habitar neles. Nossas relações de habitação mútua nos revela a realidade do próprio Deus – Pai, Filho e Espírito Santo.

Nossas comunidades cristãs foram projetadas para ser assim, orgânicas e profundas. Nossas reuniões nas igrejas e principalmente nas casas deveriam ser desejadas e ansiadas por todos nós. Se não está assim, é porquê está faltando mais do Cristo crucificado em nós. É porquê ainda não entendemos o motivo pelo qual estamos nesse mundo. É porquê ainda não entendemos de onde viemos e para onde estamos indo. Peregrinos, que saíram da cidade da Destruição e esperam pela cidade Celestial[8].

Eu sei que ter amigos não é tarefa fácil, pois isso precisa começar em nós, e na maioria das vezes estamos bem fechados. A sociedade diz: “Não confie! Não perca seu tempo!”, mas Jesus nos diz: “Não tem amor maior do que este: dar a vida pelos seus amigos[9]”. O reino de Jesus é um reino de amigos. O Reino de Jesus é feito de fellowship.

 



[1] Esse diretor, neozelandês, foi responsável pelas produções da Trilogia do Senhor dos Anéis (A sociedade do anel 2001/ As duas torres 2002 / O Retorno do Rei 2003) e Trilogia O Hobbit (2012, 2013 e 2014).

[2] A Sociedade do Anel

[3] Meu objetivo não é criticar quem fez a tradução do termo, somente explorar a gama de significados do termo e relacioná-lo com a obra em si.

[4] Provérbios 17:17

[5] É assim que se chama o mundo de Tolkien e seus personagens.

[6] A vida de C. S. Lewis – Do ateísmo às terras de Nárnia. Editora Mundo Cristão.

[7] Vestígios da Trindade, editora: Monergismo.

[8] Referência ao clássico cristão: O Peregrino de John Bunyan.

[9] João 15:13-15