Vós
também, como pedras vivas, sois edificados casa espiritual e sacerdócio santo,
para oferecer sacrifícios espirituais agradáveis a Deus por Jesus Cristo.
Por
isso também na Escritura se contém: Eis que ponho em Sião a pedra principal da esquina,
eleita e preciosa; e quem nela crer não será confundido.
(I
Pedro 2:5,6)
A cultura pop apresenta de forma artística os frutos de reflexões pautadas em filosofias e crenças que se quer passam por nossa cabeça quando sentamos no sofá para assistir um filme, ou quando ligamos o Spotify para ouvir uma música. A era pós-moderna trouxe consigo a fragmentariedade, a liquidez das relações e as profundas crises de identidade, surtos psicóticos, doenças desconhecidas e raras.
Frases como: “Vou te ensinar algo que aprendi, acho que não descobrimos quem somos de uma vez, acho que acontece durante a vida, JUNTAMOS AS PARTES...” / “Prefere imaginar uma relação com alguém ausente a criar laço com os que estão presentes?” / “Qual é o centro do mundo pra você? É o amor, eu acho.” não te fazem visualizar Frankenstein[1]?
Juntar fragmentos e formar um novo ser é a história do jovem médico Frankenstein e sua criação, o monstro. E talvez seja esse o resultado da costura identitária ensinada pela filosofia pós-moderna, o monstro de Frankenstein.
Lembro de um programa que passava na Tv Cultura, direcionado para o público infantil-juvenil: “Tudo que é sólido pode derreter”. Bem baumeniano[2] e filosófico, mas simples o suficiente para pré-adolescentes absorverem a mensagem central da pós-modernidade: “Nada dura para sempre!” / “Tudo que é sólido se desmancha no ar.” / “Não se apegue, por que essa relação pode acabar amanhã.”.
O
reverendo Pedro Lucas Dulci em seu curso “Questões de gênero – sexo, ciência e
sociedade” afirma que a sociedade pós-moderna oferece fragmentos a seus
integrantes, estes, por sua vez, pegam as partes que lhe são oferecidas e se
montam afirmando: “Este sou eu”, mas a própria costura das partes permite
mudanças e fluidez em arrancar uma parte e costurar uma nova.
As pessoas são atormentadas pelo
problema da identidade. No topo, o problema é escolher o melhor padrão entre os
muito atualmente em oferta, montar as partes do kit vendidas separadamente e
apertá-las de uma forma que não seja nem muito frouxa (para que os pedaços
feios, defasados e envelhecidos que deveria ser escondidos embaixo não apareçam
nas costuras), nem muito apertada (para que a colcha de retalhos não se desfaça
de uma vez quando chegar a hora do desmantelamento, o que certamente ocorrerá).
(Zigmunt Bauman)
Essa mesma flexibilidade tornou-se uma faca de dois gumes para o indivíduo, veja o que afirma Michael Goheen e Craig Bartholomew:
Nossa cultura é uma cultura em
busca de sentido. A fragmentação que a pós-modernidade infringiu à nossa
cultura e o seu solapamento da modernidade deixaram a cultura ocidental cada
vez mais sem uma base sólida em que possa encontrar sentido para fundamentar
suas práticas. A pós-modernidade reduziu a grande narrativa da modernidade a
“um montão de imagens quebradas”.
Dulci
afirma que essa fragmentação se deu a partir do contexto histórico da
aceleração da vida, como também pelos reducionismos advindos das relações
comerciais – lucro e déficit – que passaram a explicar o ser humano, e suas relações
afetivas. O ser humano foi reduzido ao mercado e a seus afetos, ao que sente. O
mercado tornou-se afetivo, e as relações viraram produtos que podem
“facilmente” ser substituídos ou descartados, caso não satisfaça o cliente. Essa
falta de solidez colocou o “Eros” em agonia e as demais relações interpessoais
em mera reprodução de si mesmo, posto que o objetivo das relações tornou-se
engolir o outro, reduzindo-o à si mesmo, como o agente Smith[3] .
Nos últimos tempos tem-se
propalado o fim do amor. Hoje, o amor estaria desaparecendo por causa da
infinita liberdade de escolha, da multiplicidade de opções e da coerção da
otimização. Num mundo de possibilidades infinitas, o amor não tem vez. [...]
Mas essas teorias sociológicas do amor não percebem que... não é apenas a
oferta de outros outros que contribui para a crise do amor, mas a erosão do
Outro, que por ora ocorre em todos os âmbitos da vida e caminha cada vez mais
de mãos dadas com a narcisificação do si-mesmo. O eros aplica-se em sentido
enfático ao outro que não pode ser abarcado pelo regime do eu. No inferno do
igual, que vai igualando cada vez mais a sociedade atual, já não mais nos
encontramos, portanto, com a experiência erótica.
(Byung-Chul Han)
Como bem afirma Dulci, todo reducionismo é empobrecedor, e impede o diálogo com as demais esferas da vida social. O ser humano, como é de saber comum, é integral e bem mais complexo que o mercado e suas afeições. A afetividade faz parte do ser humano, mas não é todo ele. As relações econômicas fazem parte da humanidade, mas, não é em essência toda ela.
O
resultado da costura pós-moderna, de indivíduos que estão afastados de seu
criador, é o monstro de Frankenstein. Mas, não é esse o melhor caminho para se
viver.
Como cristãos, o que fazer para não sermos engolidos pela cultura pop? Que paradigma usar? Como viver relacionamentos sólidos em tempos de liquidez? A resposta está na Trindade. C S Lewis em sua obra “Os quatro amores” traz duas definições de amor bem interessante, que pode nos auxiliar nesse caminho para fora da liquidez: a) Amor-dádiva e b) Amor-necessidade. O primeiro é voltado para o sacrifício e do serviço, enquanto que o segundo está pautando em suprir nossas carências e desejos.
O paradigma de amor apresentado por Lewis é a trindade. O relacionamento de interpretação e amor-dádiva entre Pai, Filho e Espírito Santo devem ser nossos parâmetros para amar, ser e viver. Ter nossa identidade atrelada à Cristo nos livra da fragmentariedade. O objetivo é discipular nossas afeições por meio da pericorese[4]. O Pai se doando ao Filho, o Espírito revelando o Filho, e o Filho exaltando o Pai, e de mãos dadas dançam eternamente essa perfeição de amor e doação à humanidade, convidando-nos de volta a entrar na dança dos três.
Cristo
não é apenas o mediador entre Deus e os homens, mas entre mim e os meus
semelhantes. Cristo nos impede de engolir o outro em nossos relacionamentos.
Cristo nos livra da violência contra o outro, de modo a impedir que façamos de
nossos irmãos alguém pessoas idênticas a nós. Cristo é a rocha que nos livra da
liquidez e das confusões deste século. Cristo, há solidez no Cristo! Olhando
para Ele não seremos abalados ou confundidos!
[1]
Frankenstein ou o Prometeu Moderno, romance escrito no século XIX (1823) por
Mary Shelley.
[2] Zigmunt
Bauman foi um sociólogo e filósofo polonês. Ficou mundialmente conhecido por
sua teoria da liquidez nas relações sociais. Suas principais obras são:
Modernidade líquida e Amor líquido – sobre a fragilidade dos laços humanos.
[3]
Personagem da trilogia Matrix, interpretado por Hugo Weaving. Era o principal
inimigo do personagem principal, Neo (Keanu Reeves).
[4]
Termo da teologia cristã encontrado na literatura patrística e em outras obras
posteriores. Ele se refere à mútua interpenetração e coabitação das três
pessoas da Trindade.
Uau!
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